quarta-feira, 25 de março de 2009



Seis propostas para o próximo milênio
Ítalo Calvino


Leveza
Servi-me de Cavalcanti para exemplificar a leveza em pelo menos três acepções distintas:
1) Um despojamento da linguagem por meio do qual os significados são canalizados por um tecido verbal quase imponderável até assumirem essa mesma rarefeita consistência.
2) A narração de um raciocínio ou de um processo psicológico no qual interferem elementos sutis e imperceptíveis, ou qualquer descrição que comporte um alto grau de abstração.
3) Uma imagem figurativa da leveza que assume um valor emblemático, como, na história de Boccaccio, Cavalcanti volteando com suas pernas esguias por sobre a pedra tumular. (p.28, p.29 e p.30)

Rapidez
“A narrativa é um cavalo, um meio de transporte cujo tipo de andadura, trote ou galope, depende do percurso a ser executado, embora a velocidade de que se fala aqui seja uma velocidade mental”. (p.53)

Exatidão
“Para mim, exatidão quer dizer principalmente três coisas: 1) um projeto de obra bem definido e calculado; 2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis: 3) uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação”.(p.71 e 72 )

Visibilidade
“Se incluí a visibilidade em minha lista de valores a preservar foi para advertir que estamos correndo o perigo de perder uma faculdade humana fundamental: a capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma página branca, de pensar por imagens”. (p.107 e 108)

Multiplicidade
“Alguém poderia objetar que quanto mais a obra tende para a multiplicidade dos possíveis mais se distancia daquele unicum que é o self de quem escreve, a sinceridade interior, a descoberta de sua própria verdade. Ao contrário, respondo, quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente mexido, reordenado de todas as maneiras possíveis”. (p.138)



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RESENHA: SEIS PROPOSTAS PARA O NOVO MILÊNIO: LIÇÕES AMERICANAS
CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio: Lições Americanas.
Trad.: Ivo Cardoso. São Paulo: Companhia das letras, 1990.



Em Seis Propostas para o Próximo Milênio, Calvino reúne cinco conferências através das quais propunha a perenidade de determinados valores literários para o próximo milênio, listadas pelo autor na seguinte ordem: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Contudo, o autor faleceu antes de escrever a última conferência.

A leveza, na concepção de Calvino, está relacionada a elementos diversos que permeiam textos literários, capazes de fazer com que o leitor vivencie esta sensação. O autor faz considerações sobre a construção textual sinalizando como sendo esses elementos a corrente filosófica, o ponto de vista, as ferramentas lingüísticas peculiares, a definição da idéia e a precisão na linguagem, visando estimular, em especial, a percepção.

A leveza se manifesta no texto de Calvino através de metáforas que transmitem essa sugestão verbal. Assim, faz referências a autores diversos, como Cavalcanti e Ovídio, em busca de exemplos que façam com que o leitor imagine o quão necessário é a experiência de reunir tais instrumentos numa combinação capaz de alcançar a volatilidade da leveza, descrevendo-a como algo mais leve que uma nuvem, que uma pulverulência, uma espécie de campo de impulsos magnéticos (p. 27). Calvino ressalta ainda que para vivenciar a leveza é necessário conhecer a experiência do peso, saber o seu valor.

Cita três acepções diferentes para definir a leveza: a primeira seria um despojamento da linguagem que pudesse permitir aos significados uma consistência pouco densa. A segunda se relaciona com a narração de um raciocínio atravessado por itens que assegurem a abstração e, por fim, a formação de figuras visuais leves.

A Rapidez, tema da segunda conferência, questiona a duração, a conveniência em poupar o leitor de detalhes determinados em favor do ritmo, da lógica na narrativa. Calvino vê a rapidez como o nó de uma rede de correlações invisíveis (p. 47), a ferramenta essencial para a continuidade da narrativa, fazendo com que o leitor transite num campo de forças que envolve um liame verbal (que pode ser uma palavra que dê idéia de continuidade) e um liame narrativo (elemento que sustenta a narrativa numa relação lógica de causa e efeito).

Existe aqui uma preocupação com a estrutura e o estilo a fim de alcançar força sugestiva, além da busca constante pela melhor maneira de trabalhar a relatividade do tempo, ora dilatado, ora contraído, ora linear, ora descontínuo. Convém analisar a relação entre velocidade física e velocidade mental em que o leitor imagina a estória.

A terceira conferência discute a Exatidão, que, como descreve o autor, possui três pontos de atenção: (1) a boa definição de um projeto de obra, (2) a formação de idéias visuais nítidas e (3) uma linguagem precisa, capaz de traduzir detalhes do imaginário. A exatidão seria a qualidade de empregar a linguagem a fim de aproximar-se das coisas de modo a transparecer o conteúdo que as coisas transmitem sem o recurso das palavras.

A Visibilidade está relacionada à processos imaginativos, à qualidade de expressar imagens, uma vez que, para Calvino, a imagem antecede o texto no processo criativo devido ao seu caráter polissêmico. Cabe ao escritor ordenar tais significados de modo a deixar translúcida a sua intenção e as possibilidades diversas de leituras que o texto carrega consigo. Trata-se de lançar um olhar sobre a relação entre a análise direta do mundo, o universo ilusório e o mundo simbólico transmitido pela cultura e o curso abstração - condensação - interiorização de uma experiência sensível.

A Multiplicidade, tema da última conferência, é apresentada como uma sugestão de observar o romance enquanto suporte enciclopédico, um hiper-romance no qual o conhecimento pode ser abordado como numa rede que enlaça fatos, saberes e sistemas reciprocamente condicionantes, fazendo do texto multíplice o espaço de diálogo entre vozes dissidentes, sujeitos particulares e visões de mundo divergentes num processo constante de reconfiguração, no qual o conhecimento deve ser pensado de maneira permeável e expansiva.

FONTE: http://www.uesc.br/icer/resenhas/alineresenhacalvino.htm


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