domingo, 11 de outubro de 2009

Criança de fronte pura e luminosa,
E olhos sonhadores, espantados:
Embora escorram as horas ociosas
E meia vida nos torne separados,
Teu rosto - é certo - acolherá risonho
Esta oferta de amor: um conto-sonho.

Tua face ensolarada não mais vejo
Nem mais escuto o teu riso argentino
E minha imagem não terá, prevejo,
Lugar em teu futuro cristalino.
Basta-me só que não deixes - proponho -
De ouvir este meu conto-sonho.

Conto que outrora começou, num dia
Em que o sol esplendia no verão
E acompanhava, simples melodia
O ritmo dos remos: seu refrão.
Eco que na memória não esmorece
Embora o ciúme do tempo diga: "esquece"

Escuta, antes que voz de acento amargo
Venha trazer notícia dolorosa,
Convocando para o final letargo
Uma donzela melancólica.
Não somos mais que crianças, querida,
Agitadas na hora de dormir.

Lá fora, a neve gelada e ofuscante,
Das borrascas a fúria e o capricho.
Dentro, a lareira, o fulgor radiante,
Do júbilo da infância ninho e nicho.
Aqui te prendem essas mágicas vozes:
Não ouvirás esses ventos velozes.

E embora se ouça a sombra de um suspiro
A estremecer no meio dessa estória,
Pelos "dias felizes" consumidos
E do verão a esvaecida glória,
Turvar não quero, com hálito enfadonho,
Todo o prazer deste conto-sonho.

Lewis Carroll
(Aventuras de Alice)

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