terça-feira, 28 de abril de 2009

Naquela tarde quente de verão, o sol queimava o seu rosto,
mas a sede não vinha.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

ainda sobre fotografia...

O folder veio parar na minha mão ontem e embora a exposição "O Lugar de Cada Um" tenha ocorrido no MAC em 2007, achei o texto interessante.


Uma das fotografias de Anuschka Lemos sobre o tema "Noites".



Sobre o tema "Coisas" por Felipe Prando.

O Lugar de Cada Um
por Benedito Costa Neto (junho de 2007)

É extremamente comum encontrar quem diga que a fotografia aprisiona, congela. Podemos pensar que ela liberta, santificando uma imagem, recortando-a do caos e elevando-a a uma categoria (com um nimbo próprio que lhe ilumina e lhe dá o direito de verbalizar sua posição). Talvez a foto retire das coisas do mundo justamente coisas, as quais são transportadas para um limbo, um território de noite e dia eternos, sem memória da escuridão ou da luz.

Pode ser que a fotografia aja duplamente, em complexo jogo de juízos, por vezes opaco, mas nunca sem sentido. Ao mesmo tempo, ela aprisiona e aparta algo dos perigos do mundo (o que por si só já é ambiguo) e nos faz pensar sobre as milhares de coisas para as quais olhamos e que são deixadas para trás, sem registro, sem discussão, sem dor ou piedade.

Quanto à investigação destes três fotógrafos*, temos aproximações e afastamentos. O trabalho e a pesquisa em conjunto não nos devem ludibriar. Primeiramente, o elo fictício que os une é o que tenho chamado pós-solidão. Já não tratamos mais da solidão moderna, tão discutida na Literatura e no meio acadêmico. Temos aqui um vazio diferente, denso, repleto. É o mundo do exagero, da multiplicidade, ou da esperança humana por um mundo assim, ao mesmo tempo em que a pluralidade e o acesso irrestrito estão relegados a um discurso belo, mas de efeito pífio. O descrédito que se vê em diferentes formas discursivas (cinema, literatura, teatro, artes plásticas) não é mais iconoclasta ou reivindicatório, no entanto. É silencioso, perdeu a valentia, é melancólico, humildemente triste. Depois, nos vigiam as diferenças, pirrônicas e assombradas.

Felipe Prando recorta objetos, caminhando pelo território do terá sido, que não é oco. Sua investigação passa pela questão da memória e do como a mão humana deixou seus registros. Suas fotos são como transparências daquelas imagens de mãos que homens primitivos deixaram impressas em grutas escuras, ao lado de guerreiros e de bisões, para o mundo contemporâneo. Trata-se de um sussurro lancinante. Seriam escombros não víssemos neles os segredos revelados pela arqueologia.

Creio que Milla Jung por sua vez passeie pelo campo do está sendo. Temos aqui um universo móvel de densidades, de narrativas enigmáticas, mas puras. Para muito além de uma troca entre claro e escuro, ela produz um hiato, perquirindo o senso oculto da transubstanciação profana e da fantasmagoria, que ocorre na luz plena do dia.

Na busca de Anuschka Lemos há um flanar pela noite, uma noite de susto e surpresa, mas calma e reclusa. Há nesse paseio o encontro com o lado mais negro do escuro, que é o encontro de si consigo mesmo, ficando a incógnita: contemplação, descoberta ou abismo. Ela também nos traz a singeleza requintada da questão: aquilo que não queremos ou não podemos ver, existe?

Se há mágoa ou regozijo secreto nessas imagens, jamais saberemos. Mas, nos três, no interior do apontamento de cada um, somos convidados a refletir sobre o segredo do prefixo "re-", que remete a um só tempo ao retorno e à repetição: reorganização, reorientação, revitalização, reafirmação.

O lugar de cada um: quando podemos pisar fora do círculo?

*Anuschka Lemos, Felipe Prando e Milla Jung.

Fonte:
Museu de Arte Contemporânea: folder da exposição O Lugar de Cada Um. Junho/julho de 2007.
http://www.seec.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=12

quinta-feira, 23 de abril de 2009

E por falar em fotografia e artes plásticas...



Las Meniñas, 1987 (Joel-Peter Witkin)




Las Meninas, 1656 (Diego Velázquez)

Fontes:
http://oseculoprodigioso.blogspot.com/2007/05/witkin-joel-peter-fotografia.html
http://www.artchive.com/ftp_site.htm

domingo, 19 de abril de 2009

Entrevista com Virna Teixeira

Poema de Oswald de Andrade para Tarsila do Amaral, publicado em "Pau Brasil', em 1925:

Atelier

"Caipirinha vestida por Poiret
A preguiça paulista reside nos teus olhos
Que não viram Paris nem Piccadilly
Nem as exclamações dos homens
Em Sevilha
À tua passagem entre brincos

Locomotivas e bichos nacionais
Geometrizam as atmosferas nítidas
Congonhas descora sobre o pálio
Das procissões de Minas

A verdura no azul klaxon
Cortada
Sobre a poeira vermelha
Arranha-céus

Fordes
Viadutos
Um cheiro de café
No silêncio emoldurado"

Fonte: http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm

Nas horas mais silenciosas da noite, quando o invisível se revela,
ele caminha até o porão para caçar suas criaturas. Luz apagada.

sexta-feira, 17 de abril de 2009





Poe: o olho-câmara


Edgar Allan Poe tinha um olho moderno. Enxergava as coisas de uma maneira muito diferente do modo como seus contemporâneos as enxergavam, e parecida com nosso modo de enxergá-las hoje. Muitos indivíduos têm um modo diferente de ver o mundo, mas isto não fará deles “modernos” um dia. Moderno é, em retrospecto, alguém que tinha tempos atrás certas características que hoje achamos típicas do nosso tempo. Isto recupera e revive as obras que escreveram. Por mais diferentes que sejam da literatura de hoje, têm algo com que nos identificamos. Poe certamente teve centenas de contemporâneos talentosos e diferenciados. Para azar deles, o mundo não evoluiu na direção da visão deles, e sim na direção do modo-de-ver de Poe. Para um cara tão azarado como Poe, este pouco de sorte serve de consolo.

Em seu detalhado ensaio “Fiction and the Camera Eye – Visual Consciousness in Film and the Modern Novel” (1976), Alan Spiegel compara os estilos de descrição e visualização de vários escritores, com ênfase em Balzac, Flaubert, James Joyce. Diz ele que a cada geração sucessiva a literatura veio criando maneiras diferentes de visualizar verbalmente o mundo que descrevia. Spiegel dá (e analisa exaustivamente) exemplos esclarecedores retirados da obra desses autores, e mais de Henry James, Joseph Conrad, Virginia Woolf, Hemingway e outros. Ele não cita Poe; mas o “olho câmara” de Poe mereceria um estudo à parte.

Poe é moderno nesse sentido, porque antes de todos esses outros ele não apenas criou um estilo pessoal de descrever ambientes, mas também infiltra em suas narrativas pequenos detalhes de observação. Sua mente analítica não apenas observa o que acontece, observa também os observadores, e como é feita a observação. Seu conto “A Esfinge” fala do avistamento de um monstro gigantesco numa colina, que depois ele revela ser apenas um pequeno besouro caminhando na vidraça através da qual o narrador avistava a colina. É um conto emblemático do modo com que Poe percebia o ato de ver – com um distanciamento analítico que talvez já fosse usual em sua época, entre cientistas e filósofos, por exemplo, mas não era tão usual na literatura do seu tempo.

Poe explora repetidamente, nos seus contos, aquelas situações-limite, em que um indivíduo, seja ameaçado por um grave perigo, seja no clímax de uma prolongada tensão nervosa, seja por testemunhar algum fato espantoso e inexplicável, vê-se possuído por uma acuidade de visão extraordinária. “Visão”, aqui, entendido menos no aspecto ocular do que psicológico. Não apenas a capacidade de enxergar, mas a de “ler o que vê”, interpretar de modo diferente as imagens captadas pelos olhos, atribuir-lhes valores que não são percebidos por pessoas comuns. O narrador de Poe é um visionário, alguém que vê mais, vê além, não no sentido de ver o que não existe, mas de ser o único que vê de maneira correta o que está à vista de todos mas não é percebido por ninguém.


Braulio Tavares
Jornal da Paraíba
Um excelente texto sobre as relações entre Fotografia e Literatura.

LITERATURA E FOTOGRAFIA: O ANSEIO PELA APREENSÃO DO INSTANTE

quarta-feira, 15 de abril de 2009


Nan Goldin. Self-portrait in delirium.


L’Eden et après


seu rosto em delirium
expressão de gozo, dopamina
abstinência, sudorese, midríase
inchaço nas pálpebras
tremor

era pouco, foi preciso
aumentar a dose, cruzar
a fronteira, saturar
as sinapses

corpo em transe ao som de satisfaction

enfer des images. noturnas, fascinantes
e também tristes, cruéis, conhecidos
bas fonds urbanos

escuros, a taste for danger, excesso
até o confinamento
84 dias

numa clínica, lendo
Wislawa Swyborska
fantasmas privados,
tortures

um álbum de Nick Cave

lenta reapropriação
retorno

do olhar extremo:
fotografar a paisagem
a luz de um céu vermelho
em Bangkok

Death Valley,vulcões


Virna Teixeira

Virna Teixeira é poeta e tradutora. Nasceu em Fortaleza e mora em São Paulo há vários anos, onde trabalha como neurologista. Publicou dois livros pela 7Letras, Visita (2000) e Distância (2005). Colabora com várias revistas de poesia e periódicos. Publica traduções e inéditos no Papel de Rascunho, escreve com o poeta mexicano Jair Cortès no Los excessivos, é colunista do Cronópios e tem poemas publicados no Germina Literatura.

Sobre a fotógrafa Nan Goldin acesse o site Cronópios.

Nan Goldin. Valérie in the mirror, L’Hôtel, Paris, 1999.

L’hôtel


Paredes vermelhas e espartilho. Cama de dossel. Reflexo no espelho, cômoda, esmalte escuro. Passa delineador nos olhos.

Coleção de relíquias, pavilhão chinês. Pintura vitoriana. Prateleiras turcas.

Ardem velas no crematório.


Virna Teixeira

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sacerdotisa Sagaz


Na idade em que o paganismo sucumbia à força expressiva da religião, onde os sacerdotes nomeavam bispos para doutrinar os povos.
Uma sacerdotisa imponente em seu oráculo, rejeitava veementemente como verdadeira o Deus salvador.
Acreditava reinar somente ela no Egito dos fariseus, como se fosse o raio de sol daqueles miseráveis incautos. Dona ela da sabedoria oculta da magia, empunhava cajado vivo ordenando aos súditos guerrear com as forças sacerdotais da nova doutrina.
Luta travada em praias desertas. Levantava marola de tombamentos em refração de sangue expirando corpos agora inertes.
Depondo-se as armas ao chão como se a batalha houvesse terminado, o que restava de vida não cantavam vitória nem se encontravam na glória. Apenas caos e sangue pintavam a tela branca da praia. No ir e vir das ondas um só lúgubre murmúrio, celebrava o vitorioso.
Principiava o inverno, e os mutilados dessa guerra com suas esposas sofridas e sem abrigo, tinham suas esperança em neves derretidas. E se perdiam no rastro da fuga.
Refugiados em região montanhosa, empunhavam os novos cajados, e ainda convalescentes, edificavam moradas.
Era o recomeço, em cada olhar estampado, da nova vida.
Sob a égide de um rei protetor, majestoso em seu trono, ostentava ele uma realeza indelével.
Reconhecido de benevolência e justiça, frutificara a vinha. Propondo uma vida fértil e segura nas muralhas do castelo.
A longevidade espiritual será o mote da nova vida, no todo e sempre de cada um daqueles que justificadamente fugiram a saga da cruel sacerdotisa.

Arte Contemporânea e Contos de Fadas

Kiki Smith é uma artista plástica que, em seus trabalhos, explora o universo feminino por meio da auto-imagem e das heroínas dos contos de fadas como Alice e Chapeuzinho Vermelho.










Em Born de 2002, a artista apresenta uma leitura mais violenta do conto Chapeuzinho Vermelho, a partir do final de algumas versões da história em que a menina e sua avó saem do estômago do lobo depois de terem sido comidas. A litografia de 173x141,5 cm levou 3 anos para ser concluída.







Pool of Tears 2 (after Lewis Carroll) de 2000, é inspirada na ilustração do manuscrito de Lewis Carroll. Neste trabalho, Smith acentua a tensão entre a inocência da infância e o despertar sexual, entre a juventude e a maturidade do corpo.










Come Away from Her (after Lewis Carroll), 2003.





Seer (Alice II), 2009.
(edição de 3)


Alice II (feet uncrossed), 2005.

Fontes:
http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2003/kikismith/flash.html
http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=5486
http://www.sculpture.org.uk/work/000000100542/
http://www.artnet.com/Artists/ArtistHomePage.aspx?artist_id=15743&page_tab=Artworks_for_sale
O vento conduz as folhas numa dança sem fim,
enquanto a noite devora sonhos.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Calvino e a Multiplicidade



Raymond Queneau/Cent mille milliards de poèmes

A quinta das Seis propostas para o próximo milênio escolhidas por Ítalo Calvino é a multiplicidade, cujo habitat natural ele situa no romance, este gênero literário que, como o Conde Drácula, tantas vezes tenha sua morte proclamada quantas retorna, mais vivo do que nunca, quando menos se espera. Calvino define o romance contemporâneo “como enciclopédia, como método de conhecimento, e principalmente como rede de conexões entre os fatos, entre as pessoas, entre as coisas do mundo.” O romance não seria um gênero com uma fórmula nítida, mas um campo de testes e aplicações de fórmulas; não seria um objeto, e sim um atrator de objetos.

O exemplo colhido por Calvino para dar o pontapé inicial em sua idéia de multiplicidade é o do romancista italiano Carlo Emilio Gadda, o qual, para ele, ilustra bem algumas tendências do romance do século 20: 1) a superposição, ou uso simultâneo, de diferentes níveis de linguagem; 2) a consciência do mundo como um “sistema de sistemas” que se influenciam mutuamente; 3) a percepção de cada objeto, evento ou personagem como o “centro de uma rede de relações” cuja descrição pode se estender ao infinito; 4) uma voracidade em absorver diferentes ramos do saber (que ele exemplifica com Flaubert lendo mais de 1.500 livros para escrever Bouvard e Pécuchet).

Calvino vê na literatura de hoje esta busca quixotesca pelo mais-infinito e pelo menos-infinito: “Sempre me fascinou o fato de que Mallarmé, que em seus versos tinha conseguido dar uma incomparável forma cristalina ao nada, tenha dedicado seus últimos anos de vida a conceber um livro absoluto que seria o fim último do universo...” Ele lembra Novalis, que também se propôs escrever um “livro absoluto”, ora visto como uma “enciclopedística”, ora como uma “Bíblia”, e lembra Humboldt, que em seu Kosmos se propôs a produzir uma “descrição do universo físico”. No entanto, ele acha que as tentativas mais bem sucedidas são aquelas (como em James Joyce) onde o livro, em vez de tentar trazer o universo inteiro para dentro de si, abre-se para ele: “o que conta não é o seu encerrar-se numa figura harmoniosa, mas a força centrífuga que dele se liberta, a pluralidade das linguagens como garantia de uma verdade que não seja parcial.”

Ele vê nos contos de Jorge Luís Borges, “textos contidos em poucas páginas”, a melhor concretização dessa literatura múltipla, ponto focal da sensibilidade poética e da consciência científica: “cada texto seu contém um modelo do universo ou de um atributo do universo – o infinito, o inumerável, o tempo, eterno ou compreendido simultaneamente ou cíclico”. Seus contos são equivalentes a “romances extensos ou extensíssimos, nos quais a densidade de concentração se reproduz em cada parte separada”. A multiplicidade, portanto, não está condicionada à extensão do texto, e sim à capacidade do autor de lidar com diferentes categorias de pensamento e diferentes discursos narrativos.


Braulio Tavares