quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Caos Interior


























Subjgado interior

ao amor não

correspondido, escondido.


Um borrado desejo sensual

que corta as arestas

tontas da alma.


A prepotência superficial

na abastada e mórbida

paixão incessante.


Então que seja

o fim, para não ter que....

terminar.



Postado por: Fábio Antonio Filipini, Inspiração na Obra Judith, de Gustav Klimt

Lacrimosa

Triste é a dor mortal
julgada na

beleza dos

olhos de censura.

Lascivo é o querer que
tortura o desejo.
Vida agora tolerável
em verdades aceitas.

Piedade, ó tempo, para que
lágrimas não afoguem o coração
coberto de dor em busca do
descanso eterno.

Amem.


Postado por: Fábio Antonio Filipini, inspiração Requiem em Ré Menor, KV 626 - Mozart.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Solidão


“Chega! Não agüento mais.
Você fica aí me olhando,
Sem dizer nada.
Depois de tudo o que já passamos.
Uma vida inteira!
Agora os anos se foram.
Nós precisamos conversar mais.
O tempo que nos resta não pode
simplesmente passar como um filme pela janela.
E então?
Você continua calado.
Se cala e me encara.
Olha nos meus olhos, e nem eles dizem nada.
Por que não responde?
Me sinto tão só.
Não tem mais o que dizer?
Você me enfurece com esse silêncio.
Tenho vontade de te sacudir e
Fazer você reagir.
Vamos, fala alguma coisa!”

Mas a imagem refletida no espelho,
Continuou calada...

domingo, 18 de outubro de 2009



A brisa noturna chega
Mais tarde, uma estrela sorri
As siluetas das árvores
Já não são mais as mesmas
No céu violeta
A espera pelo despertar é sonolenta.

***************


(A Esperança I - Gustav Klimt)


Fio dourado desce para cima
Mergulha num infinito anoitecer
Percorre trilhas perdidas
Direções desconhecidas
E num sopro misterioso
Continua o que não tem fim.



(temas: Mozart: concerto nº3 e Gustav Klimt: A Esperança I, respectivamente)

sábado, 17 de outubro de 2009

A costureira e as crianças

“A agulha, em suas mãos, movia-se como se tivesse vida própria”.
Leticia Wierzchowski.

“Naqueles dias ditosos

Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!"
Casimiro de Abreu.

A costureira é daquelas antigas, que costuravam usando esteira e agulha, sentadas numa cadeira de balanço, sofá ou poltrona. Esta senta numa poltroninha. É uma mulher jovem, não deve ter trinta anos, mas já tem ares de respeitável matrona, devido aos dois filhos que possui e que cria sem apoio masculino. Destaca-se a pele curtida de Sol em meio ao pano branco que tece por encomenda. Por sorte, ela trabalha no que gosta, mas fica o dia inteiro assim. Os dedos ficam embrulhados nos dedais quase o tempo todo, de modo que ela quase não os sente. Sem falar no silêncio que engolfa a casa, pequena e sombria. Mesmo assim, esse trabalho tem o dinamismo encantador proporcionado pelos movimentos da agulha, rápidos e cortantes. Vendo essa mulher trabalhar uma vez, fiquei imaginando que foram seus gestos que inspiraram a sinfonia número 40 em Sol Menor a Mozart.
Quando tomava da esteira e começava seu trabalho, curiosamente começava espetando a agulha por baixo, ou seja, na face oposta à voltada para ela. No início estava calma, espetando e passando o fio quase invisível por onde se era necessário. Até que de repente se assanhava e ia abandonando a placidez para fazer com mais paixão e até certa violência. Era quando erguia a agulha até o limite, arriscando perder o fio pelo buraquinho. Ao puxar tudo, não mais espetava no tecido, e sim cravava nele o metalzinho, como se o estivesse ferindo de morte. Mesmo quando o vôo vinha de baixo, era com a mesma intenção assassina. Os olhos da criatura se arregalavam de prazer. Mas logo acabava o entusiasmo, pelas repetidas perdas do fio e pelo próprio cansaço no braço.
Disse que os movimentos da agulha inspiraram Mozart, porém disse errado. Não foram só eles, não, as brincadeiras dos filhos da costureira também devem tê-lo inspirado de algum modo.
Brincando do lado de fora, os dois meninos e mais quatro amigos preferiam correr, se agitar e gritar muito, a ponto de serem considerados “endemoninhados” pelos vizinhos que eram mal-humorados. A costureira não costumava se importar, seu dever era apenas alimentar e vestir os filhos.
Quando lá estive, observei que eles brincavam do que hoje chamaríamos de “pega-pega” ou “pique”, porém de forma um pouco diferente. Quem pegava era o menorzinho e mais medroso, um garotinho de pele muito branca, loirinho e de olhos azuis. Os outros se escondiam atrás de árvores, pedras e casas, e quando esse menininho passava inadvertidamente logo dava de cara com um deles e morria de susto. Virava-se e dava com outro. Tentava correr, e vinha um terceiro barrar-lhe o caminho. E assim ia a brincadeira.
Ocorreu que um dos filhos da costureira teve a idéia de meter-se pela janela dentro de casa. Pouco depois, a vítima passou, e o grito para assustar que o filho da costureira deu foi tão forte que o loirinho finalmente criou coragem e fugiu para casa, escandaloso. Mas não foi só. A costureira, que ainda estava no momento de êxtase, jogou longe a esteira com a agulha, e se a poltrona fosse mais alta com certeza teria se empoleirado nela. Substituiu com um rápido grito, pondo a mão no coração, que batia descompensado. Eu pensei que tinha acontecido alguma coisa com algum dos meninos, e também fiquei assustadíssima.
O garoto veio correndo (ou rolando?) para sair pela porta da frente da casa, sem ter consciência do susto pregado na mãe e na visita. Ao ver aquilo, nós duas imediatamente compreendemos tudo. Ela chamou-o pelo nome, gritou com ele e bateu com a mão mesmo, até esta ficar vermelha. Trancou-o no quarto e em seguida foi à janela chamar o outro e aplicou-lhe os mesmos castigos.
Não posso negar que ficou um clima extremamente chato depois disso, e acabei indo embora mais cedo do que pretendia, com pena daquelas duas pestes. Antes de ir, porém, ainda tive oportunidade de vê-la retomar o trabalho e cravar a agulha em lugar de espetá-la no pano, mas desta vez com uma raiva ainda não de todo apaziguada, como se estivesse descontando em alguém. Deve ter encerrado mais cedo naquele dia, disso tenho certeza.
Ninguém me tira da cabeça que essa mulher tem pelo menos um pouco de inveja da alegria fresca dos filhos, e que os momentos de volúpia com a agulha eram a única alegria fresca que a vida dura lhe permitia desfrutar.
Fim.
Data: 15/10/09.

A vida e a morte

A vida e a morte, de Gustav Klimt (1910-1915, óleo sobre tela).
A vida e a morte
"Os Nomes
Duas vezes se morre:

Primeiro na carne, depois no nome:
Esvaziando-se de seu casto conteúdo
-Tantos gestos, palavras, silêncios -
Até um dia sentimos
Com uma pancada de espanto (ou de remorso?)
Que o nome querido já nos soa como os outros”.
Manuel Bandeira.
“Quando somente uma é a verdade, não existe verdade; quando a ordem é sempre a mesma – eis a barbárie! Então a única lei é a inércia, e tudo perde a força. As coisas todas perdem sua vontade – pois força do todo é força nenhuma!”
Gustavo Diaz, em “Caim”.

A morte escura, em expectativa. Na verdade, um esqueleto envolto numa capa, segurando um cetro vermelho e sorrindo sarcasticamente. Não passa de uma figura ridícula. Mas amedronta. Talvez porque represente o nosso futuro.
Contingentes de vida coloridos estão numa situação esquerda, irremediavelmente ligados a ela, é só uma questão de tempo para que passem para o outro lado. E não voltem mais. E desapareçam do mundo dos vivos aos poucos. Será que é disso que temos medo? Vão na direção da morte, como se fossem um barco à deriva, mais um grupo de pessoas. Há crianças, adolescentes, adultos e velhos. Homens e mulheres. Parecendo não saber para onde a vida os leva. (Se ficassem pensando na morte, não viveriam. Ninguém se encantaria com um nascimento, ninguém se preocuparia com sobrevivência, nem com bondade, alma, progresso, desenvolvimento das ciências e das artes...)
Todos os dias duelamos com a morte, para tirar da vida essas e outras coisas. Mas um dia perdemos. Não se pode ganhar todas. Também precisamos descansar, como a anciã cansada do grupo, que deseja isso mais do que tudo. Se não morrêssemos, a própria vida nos seria inútil, pois não poderíamos extrair nada dela. Fruta só com casca, sem os gomos sumarentos.
Sendo assim, escolhemos como lidar com a morte. Muitos esquecem que um dia vão se encontrar com ela, então quando acontece se rebelam; outros vão serenamente. Alguns a procuram com desespero. Alguns lucram com ela, outros perdem. Alguns matam sem querer, outros matam porque querem, e nem sempre é o corpo que morre. Há os que morrem em vida, e há os que mesmo na morte vivem. Há os espíritos que voltam e os que não voltam. E existem os que pagam um dízimo para a eternidade, a fim de que continuem vivendo mesmo depois de mortos.
Como assim? Por exemplo, numa obra de Gustav Klimt.
Fim.
Data: 10/10/09.

domingo, 11 de outubro de 2009

Criança de fronte pura e luminosa,
E olhos sonhadores, espantados:
Embora escorram as horas ociosas
E meia vida nos torne separados,
Teu rosto - é certo - acolherá risonho
Esta oferta de amor: um conto-sonho.

Tua face ensolarada não mais vejo
Nem mais escuto o teu riso argentino
E minha imagem não terá, prevejo,
Lugar em teu futuro cristalino.
Basta-me só que não deixes - proponho -
De ouvir este meu conto-sonho.

Conto que outrora começou, num dia
Em que o sol esplendia no verão
E acompanhava, simples melodia
O ritmo dos remos: seu refrão.
Eco que na memória não esmorece
Embora o ciúme do tempo diga: "esquece"

Escuta, antes que voz de acento amargo
Venha trazer notícia dolorosa,
Convocando para o final letargo
Uma donzela melancólica.
Não somos mais que crianças, querida,
Agitadas na hora de dormir.

Lá fora, a neve gelada e ofuscante,
Das borrascas a fúria e o capricho.
Dentro, a lareira, o fulgor radiante,
Do júbilo da infância ninho e nicho.
Aqui te prendem essas mágicas vozes:
Não ouvirás esses ventos velozes.

E embora se ouça a sombra de um suspiro
A estremecer no meio dessa estória,
Pelos "dias felizes" consumidos
E do verão a esvaecida glória,
Turvar não quero, com hálito enfadonho,
Todo o prazer deste conto-sonho.

Lewis Carroll
(Aventuras de Alice)