segunda-feira, 25 de abril de 2011

Eu sou tudo isso

Lembrando do ano passado, quando o rapaz do censo esteve na minha casa e perguntou a nossa cor (estávamos eu, minha mãe e meu irmão), eu comecei a dizer que essa era uma questão complicada para a gente, porque não temos uma cor só, mas a minha mãe atalhou que éramos brancos, e ponto final. Não, ela não é racista, apenas quis facilitar as coisas.

Nunca me entrou na cabeça por que no censo do brasileiro só se marca uma entre as cinco opções: branco, negro, pardo, amarelo ou indígena (vermelho), sendo que a maior parte da nossa população é misturada. Eu mesma sou branca (polonês, italiano - herança do meu pai - ucraniano, português, e ainda pode haver mais), negra (ainda quero descobrir de que país e povo), índia (ainda quero descobrir de que povo - o estado mais provável é a Paraíba, mas existe uma possibilidade também de ser o Ceará) - tudo isso de herança da minha mãe. Conseqüentemente, também sou parda ou mulata (mistura de branco com negro), cafuza (negro com índio) e cabocla (branco com índio). Aí está a salada. Costumo brincar que só falta agora eu descobrir alguma ligação com o Oriente - a propósito, já houve gente que perguntou para o meu irmão se ele é chinês. Será?

A questão é que essa forma de responder não faz muito sentido no Brasil. Como é que querem que reconheçamos a miscigenação étnica se a única opção mais próxima disso é reconhecer-se pardo? A questão é que não estamos dizendo toda a verdade sobre nós, e cada vez mais gente se sente confusa ao responder. Meu pai acha que devemos afirmar qual é a cor predominante em nós, mas também não concordo. Hoje eu tenho aparência de branca, apesar de ter herdado os traços da minha mãe. Mas aos 11 anos com certeza seria tomada por uma índia. E então?

Acho que deveria haver uma sexta opção entre essas alternativas, com um espacinho do lado para enumerar quais são as etnias que se combinam naquela família ou naquela pessoa. Sim, vai dar mais trabalho para o pessoal do IBGE cadastrar esses dados - mas eles já não estão acostumados, com a complexidade que é o Brasil?

Até um tempo atrás eu chamava essa sexta categoria de "misturados" (essa expressão aparece no livro "Contos gauchescos e lendas do Sul", de Simões Lopes Neto, de entre o final do século XIX e o início do XX, agora não lembro bem). Mas acho que foi o meu irmão que deu o nome mais adequado: "multiétnicos". É exatamente o que nós dois, e muitos outros brasileiros, somos, multiétnicos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Há catorze anos

No dia 19 de abril de 1997, Dia do Índio, sete membros da tribo Pataxó Ha-Ha-Hae estavam em Brasília para reivindicar o direito à posse de suas próprias terras, direito prometido pela Constituição de 1988. Na noite desse dia, a tragédia: o líder, Galdino de Jesus, dormindo num ponto de ônibus, foi incendiado por cinco garotos de classe média alta que, para se defender depois, disseram que "era só uma brincadeira" "com um mendigo". Dois dias depois, a vítima não resistiu às graves queimaduras e morreu no hospital. Eu tinha sete anos nessa época, mas não me lembro de nada disso. Curiosamente, só fui tomar conhecimento desse fato quatro anos depois, na 5ª série, porque uma notícia sobre caiu numa prova de História. Só então pude me horrorizar. Também tive a oportunidade de ter acesso, mais tarde, a dois livros dirigidos ao público infanto-juvenil que fazem referência a esse acontecimento, provavelmente escritos na época: "Sangue de índio", de Rogério Andrade Barbosa, e "Brasil 500 anos", de Regina Rennó. Também agora tive acesso a um poema de 2009, "Índio Galdino de Jesus", de Azuir Filho e outros. Ponto para esses autores, especialmente o mais recente, embora o poema não seja dos melhores. Contudo, posso estar enganada, mas, de lá para cá, as únicas notícias que vejo sobre este caso são notas bastante espaçadas sobre os autores do crime, que estão presos em regime semi-aberto, ou seja, saem da cadeia para trabalhar durante o dia, mas têm que voltar à noite (e essas notas só aparecem quando eles aprontam alguma). Nenhuma palavra mais sobre a tribo, que passou a viver sem Galdino - será que eles acham que a punição que os assassinos receberam foi justa? Eles não passaram a ter medo de ir até Brasília? Como está a situação de suas terras, pois foi para isso que eles foram até lá, para que os invasores fossem forçados a se retirar? Este caso não deveria cair no esquecimento jamais, as escolas deveriam relembrá-lo para as crianças quando ensinam sobre os índios, para mostrar que o povo brasileiro ainda tem muito que evoluir no seu acerto de contas com o passado (e apesar de sermos uma das Constituições mais aprovadas do mundo, apelidada de Cidadã, inclusive). Seria interessante que a imprensa rememorasse essa tragédia, conversando com os Pataxós, mas também com os garotos de Brasília e suas famílias, tomando cuidado, claro, para não cair na vitimização dos índios e nem no tom acusatório com relação aos brasilienses. O objetivo precisa ser reabrir o debate: de que maneira tratamos as pessoas que vivem diferente da massa urbanizada, e que portanto têm outras necessidades, garantidas pela lei, e com o detalhe de que foram os primeiros donos desta terra chamada Brasil? E este debate também deveria acontecer nas escolas, mediante livros e notícias. Só para concluir, lembro que um professor meu, de História, disse algo interessante sobre esse caso: se ele fosse o juiz, não prenderia os rapazes, e sim os condenaria a uma pena alternativa na ala de queimados de algum hospital infantil. Não sei se concordo com isso, pois acho que eles deveriam ficar presos eternamente, mas também não consigo deixar de pensar que talvez isso surtisse mais efeito na regeneração deles. Ah, e feliz dia do "descobrimento do Brasil". Aí vai o poema de Edson Ponick, catequista e escritor, entre outras atividades, que ajudou a planejar uma cartilha sobre os povos indígenas no ano 2000. Apesar de esse poema ser referente aos "500 anos", não perdeu a atualidade: Há pouco tempo Era coberta a terra, há muito tempo, de matas, rios e animais selvagens. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Cortaram verdes e plantaram cinzas. E a terra, então coberta de belezas, Hoje resseca com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo, De ouro, prata e minerais valiosos. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Levaram brilhos e deixaram sombras. E a terra, então coberta de riquezas, Hoje empobrece com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo, de povos, raças, rituais variados. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Burlaram a vida e cultuaram a morte. E a terra, então coberta de culturas, Hoje agoniza com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo. Por que festejam o seu descobrimento?

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Poesia, o rejuvenescimento possível

Faz algum tempo que li uma crônica do Miguel Falabella, na revista Istoé, em que ele formulava uma ode à poesia, ressaltando, por exemplo, que ela é importante à imaginação. Um dos pontos altos desse texto, pelo menos para mim, foi quando sugeriu que deveriam existir postos de poesia 24 horas para pessoas cuja criatividade está em baixa.

Apesar de adorar ler poesia, não leio todo dia, mesmo tendo cadernos e mais cadernos preenchidos com poemas e letras de música, para meu próprio uso (ao contrário de Miguel, raramente me utilizo da Internet para buscar poesia, principalmente se for de poetas que não se expressavam pela língua portuguesa). Quando leio poesia, o dia fica mais leve e minha alma, mais suscetível a ver o mundo de forma diferente, prestando atenção em detalhes bobos, que pulam à minha frente como que aumentados, e nos quais normalmente não me ligo - não é à toa que Autran Dourado recomenda a candidatos a prosadores lerem alguns bons poemas antes de começarem a escrever, e que eu mesma passo a ter idéias para versos, como se tivessem me sido implantadas na cabeça, quando que na verdade a arte me devolveu a visão, ainda que por um momento. Mas, como ia dizendo, ainda não cheguei ao ponto de ler todo dia. Ainda prefiro quando a poesia me surpreende, que foi o que aconteceu, por exemplo, na última sexta-feira.

Alguém aí já ouviu falar dos Pacotes de Poesia do SESC? Trata-se de pacotes de pão com folhas de papel kraft dentro, contendo poemas de autores brasileiros, tanto clássicos como contemporâneos. Pois estava eu lendo a revista do Paço da Liberdade, espaço cultural no qual também se pode pegar os pacotes, quando lembrei que tinha um do Antonio Cícero numa gaveta, ainda virgem de leitura, e li de uma sentada. Nossa! Quanta beleza! Ele é desses poetas que trabalham metáforas finas, e por conta disso envolvem. (Bom, quem é fã da Marina Lima, irmã dele, para quem ele compõe letras, deve saber do que estou falando.)

Sempre que me abismo assim com algum escrito, parece que fazia muito tempo que não me expunha à beleza, ou seja, a minha alma estava precisada. Como tempo cronológico, nem faz tanto tempo assim: o último poeta de que me fiz acompanhar maciçamente, Bertold Brecht, esteve comigo em dezembro e janeiro. Depois disso, uns poemas e poetas esporádicos. Mas o tempo psicológico que nos afastava já parecia ser de anos! Preciso ler poesia com mais freqüência, ainda quero chegar a ler algumas todo dia, conforme o próprio Falabella sugeria em sua crônica. Cheguei à conclusão que até pode ser uma fonte da juventude, pois pode diminuir asperezas e arestas que a alma vai criando com o tempo.

Obs: Para quem quiser pegar Pacotes de Poesia, até dia 29 deste mês é do Francisco Alvim, que será substituído por Emiliano Perneta. Dá para pegar no Café do Paço da Liberdade, no SESC da Esquina e no SESC do Centro. E, agora, fiquem com uma palhinha de Antonio Cícero:

Oráculo


Vai e dize ao rei:


Cai a casa magnífica,


O santuário de Apolo;


Fenece o louro sagrado;


A voz da vidente emudece;


As fontes murmurantes se calam para


sempre.


Diz adeus adeus.


Tudo erra, tanto


A terra vagabunda quanto


Tu, planetário.


Criança e rei, Delira e ri:


Meu sepulcro não será tua masmorra.


Alimenta teu espírito também com meu


cadáver,


Pisa sobre estas esplêndidas ruínas e,


Se não há caminhos,


Voa.


Voa ri delira


Nessa viagem sem retorno ou fim.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O CELEIRO PEGOU FOGO E A VACA FOI PRO BREJO


CERTA FEITA NUMA FAZENDA

NÃO TINHA GADO

SÓ FAZENDEIRO E CELEIRO

PRO SUSTENTO DA FAMILIA

UMA VACA LEITEIRA

NA FESTA DE SÃO JOÃO

SOLTARAM FOGOS E BALÕES

UM ROJÃO ACERTOU O CELEIRO

ASSUSTANDO A VACA LEITEIRA




(soneto de título explicativo)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Por que temos que envelhecer?

Semana passada, a minha mãe trocou a esponja de banho, que já estava quase se rachando em duas, por uma linda, durinha de dar gosto, que eu fui a primeira a inaugurar. Enquanto a usava, verifiquei que precisaria comprimi-la, e mantê-la assim, para me ensaboar melhor e, depois, para tirar toda a água dela. Achei uma pena, pois logo ela perderia seu belo formato duro e grande para ficar flácida e rachada, como a velha. Comecei a refletir por que ela não poderia voltar a ter o mesmo frescor e aspecto do primeiro dia de quando foi desembrulhada. E logo esse pensamento se estendeu às pessoas.

Eu mesma, apesar dos meus 21 anos, sinto que estou envelhecendo, e que a faculdade está tornando isso mais rápido. Em comparação às aulas de quando eu era criança, hoje estou mais desconcentrada, me sinto embotada, me estresso e me sinto desmotivada mais depressa, mais cedo, principalmente pelo fato de ter muitas coisas a fazer e pela impressão de que não precisaria serem tão atropeladas, todas ao mesmo tempo. Na minha opinião, esse é um dos grandes problemas da vida universitária, embora adore o ambiente acadêmico, e tenha escolhido estar nele. Ou seja, vou ter que me desgastar, para sair diferente de quando entrei, espero que melhor. A vida geral também não deixa de ser isso, pelo menos para quem acredita em vida após a morte: uma fase para que sejamos pessoas cada vez melhores. Para tanto, ou seja, para se ter uma vida realmente útil, é imprescindível o desgaste, físico, mental, espiritual..., significando ganho de experiências, que é um processo que muitas vezes dói, mas ninguém discute sobre a importância. Sob outro ponto de vista, também não passamos de instrumentos de trabalho, embora possamos nos manter jovens através de vários meios, desde qualidade de vida até cirurgias plásticas.

Mas de repente comecei a pensar: será que ia mesmo ser legal se, a cada desgaste, pudéssemos rejuvenescer, voltar ao que éramos inicialmente? Como num filme de ficção científica, poder substituir o chip a qualquer sinal de defeito? Isso nem mesmo seria lógico, pois implicaria desistir também de toda bagagem que vamos adquirindo pela vivência, ou seja, voltar exatamente à mesma inocência que tínhamos antes da morte de um ente querido, por exemplo. Por mais que nos doa a possibilidade de envelhecimento, creio que esse processo é importante para que nos lembremos de que nossa capacidade para tudo, inclusive para viver, é limitada. Mesmo que a ciência descubra uma maneira de nos tornar imortais, ou pelo menos mais longevos ainda, tenho a impressão de que a maior parte das pessoas não ia querer isso. Morrer também é descansar, e parece que ninguém tem dúvidas disso com relação a José Alencar, por exemplo. O envelhecer, então, pode ser entendido como uma ampulheta que marca o tempo de permanência, ou pelo menos de atividade, até que se tenha de ceder o bastão a outro, como no caso da troca de esponjas do começo deste texto, ou a vida (mesmo que em muitos casos não haja relação direta de envelhecimento com morte).

A princípio, envelhecer seria um morrer diário. Mas só a princípio. Existem sexagenários, septuagenários, octogenários, nonagenários (como se chama alguém que chegou aos cem anos, ou os ultrapassou?) que nos fazem esquecer isso, e, no meu caso, até desejar ter aquela idade, para ter aquela sabedoria. Novamente aqui o José Alencar pode servir como exemplo. Estas pessoas me fazem até pensar que os melhores jovens às vezes são os velhos, que às vezes faz-se necessário envelhecer para desfrutar da juventude. Porque eles não têm tempo a perder, sabem o que querem e já não estão amarrados pelas obrigações e convenções sociais. Sob estas perspectivas, tem muita gente que se descobre quando é declarada idosa, e detalhe: às vezes mesmo sofrendo com alguma perda de agilidade física ou mental. Mas isto já é assunto para outra crônica. Felizmente, pessoas não são como coisas: têm a possibilidade, por terem consciência, de prolongar seu tempo de juventude, contando com a sabedoria da velhice, mesmo tendo muitos anos no currículo.