segunda-feira, 18 de abril de 2011

Há catorze anos

No dia 19 de abril de 1997, Dia do Índio, sete membros da tribo Pataxó Ha-Ha-Hae estavam em Brasília para reivindicar o direito à posse de suas próprias terras, direito prometido pela Constituição de 1988. Na noite desse dia, a tragédia: o líder, Galdino de Jesus, dormindo num ponto de ônibus, foi incendiado por cinco garotos de classe média alta que, para se defender depois, disseram que "era só uma brincadeira" "com um mendigo". Dois dias depois, a vítima não resistiu às graves queimaduras e morreu no hospital. Eu tinha sete anos nessa época, mas não me lembro de nada disso. Curiosamente, só fui tomar conhecimento desse fato quatro anos depois, na 5ª série, porque uma notícia sobre caiu numa prova de História. Só então pude me horrorizar. Também tive a oportunidade de ter acesso, mais tarde, a dois livros dirigidos ao público infanto-juvenil que fazem referência a esse acontecimento, provavelmente escritos na época: "Sangue de índio", de Rogério Andrade Barbosa, e "Brasil 500 anos", de Regina Rennó. Também agora tive acesso a um poema de 2009, "Índio Galdino de Jesus", de Azuir Filho e outros. Ponto para esses autores, especialmente o mais recente, embora o poema não seja dos melhores. Contudo, posso estar enganada, mas, de lá para cá, as únicas notícias que vejo sobre este caso são notas bastante espaçadas sobre os autores do crime, que estão presos em regime semi-aberto, ou seja, saem da cadeia para trabalhar durante o dia, mas têm que voltar à noite (e essas notas só aparecem quando eles aprontam alguma). Nenhuma palavra mais sobre a tribo, que passou a viver sem Galdino - será que eles acham que a punição que os assassinos receberam foi justa? Eles não passaram a ter medo de ir até Brasília? Como está a situação de suas terras, pois foi para isso que eles foram até lá, para que os invasores fossem forçados a se retirar? Este caso não deveria cair no esquecimento jamais, as escolas deveriam relembrá-lo para as crianças quando ensinam sobre os índios, para mostrar que o povo brasileiro ainda tem muito que evoluir no seu acerto de contas com o passado (e apesar de sermos uma das Constituições mais aprovadas do mundo, apelidada de Cidadã, inclusive). Seria interessante que a imprensa rememorasse essa tragédia, conversando com os Pataxós, mas também com os garotos de Brasília e suas famílias, tomando cuidado, claro, para não cair na vitimização dos índios e nem no tom acusatório com relação aos brasilienses. O objetivo precisa ser reabrir o debate: de que maneira tratamos as pessoas que vivem diferente da massa urbanizada, e que portanto têm outras necessidades, garantidas pela lei, e com o detalhe de que foram os primeiros donos desta terra chamada Brasil? E este debate também deveria acontecer nas escolas, mediante livros e notícias. Só para concluir, lembro que um professor meu, de História, disse algo interessante sobre esse caso: se ele fosse o juiz, não prenderia os rapazes, e sim os condenaria a uma pena alternativa na ala de queimados de algum hospital infantil. Não sei se concordo com isso, pois acho que eles deveriam ficar presos eternamente, mas também não consigo deixar de pensar que talvez isso surtisse mais efeito na regeneração deles. Ah, e feliz dia do "descobrimento do Brasil". Aí vai o poema de Edson Ponick, catequista e escritor, entre outras atividades, que ajudou a planejar uma cartilha sobre os povos indígenas no ano 2000. Apesar de esse poema ser referente aos "500 anos", não perdeu a atualidade: Há pouco tempo Era coberta a terra, há muito tempo, de matas, rios e animais selvagens. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Cortaram verdes e plantaram cinzas. E a terra, então coberta de belezas, Hoje resseca com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo, De ouro, prata e minerais valiosos. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Levaram brilhos e deixaram sombras. E a terra, então coberta de riquezas, Hoje empobrece com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo, de povos, raças, rituais variados. Porém, há pouco tempo, seres de outro mundo Burlaram a vida e cultuaram a morte. E a terra, então coberta de culturas, Hoje agoniza com seu descobrimento. Era coberta a terra, há muito tempo. Por que festejam o seu descobrimento?

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