sábado, 28 de agosto de 2010

Caminhando na estrada
Ela vai
A paisagem sempre lhe parece a mesma
Seus pensamentos são como as folhas no outono...

Correndo com o vento
Ela vai

Surge o sol, às vezes
Não chega a iluminar seus olhos tristonhos
Queria mesmo que aquecesse sua alma

Se alguém perguntar
Diga apenas que
Ela vai
Está à procura
De um sonho para sonhar
Antes que mais uma estação acabe
Antes de retomar o começo sem acabar
E se o fim nunca alcançar?

domingo, 1 de agosto de 2010

Na parede escorrem traços singelos de lembranças
Suspira
A janela mostra o outro lado da paisagem
Noturna
Lá fora, dou muitas voltas
Prefiro ficar na velha casa que reconhece meus passos
Cada contorno
Sua sombra tem mais de um lado
A lâmpada só ilumina o que eu não quero ver
Então escuto
O invisível sussurra segredos da noite sem fim.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Estudor

Sabe aquele caderno em espiral é mentiroso, mas o caderno grampeado é verdadeiro.
Os bloquinhos de anotações são depósitos de ilusões, e o marca-texto é provocação.
A borracha apaga pecados, e o grafite sempre em dúvida, é indeciso. O lápis de cor faz teatro, enquanto o guache enfeita os desejos. Papel almaço resume histórias, o editor de texto salva da sedução. Planilha de cálculo faz as contas dos beijos, e os olhos fazem as vezes do coração.
Livro é suporte do monitor que escraviza, e a impressora já está bipolar. O lixo é boa companhia para os erros do crescimento, mas o telefone é fofoqueiro, escandaloso.
Régua cansada se entorta, e a caneta seca, sem tesão.
Cadeira conforta as nádegas surradas com suor pelo medo de ficar com zero.
Os armários guardam notícias em pastas fruta-cor, e caixas pretas não se revelam.
Pincel atômico vazou de tanto rir, pelo calendário que desmaiou.
E assim, a vida fugiu do compromisso da dor.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Branca de Neve através do Espelho

Por Valéria Broliani

Meu nome sempre foi relacionado à verdade. O que muitas pessoas não sabem é que podemos ser mágicos. Aquele que se dispor a realizar nossas vontades, terá o que mais deseja durante sua existência humana.

Há um tempo atrás, pertenci a uma mulher obcecada por sua beleza. A vida não lhe foi justa porque levou cedo demais os que amava enquanto se tornava cada vez mais velha e infeliz. E isto não conseguia suportar. Foi quando então olhou-se no espelho e desejou com todas as forças a sua juventude e nunca mais envelhecer para não ter a angústia de ver a própria beleza fenecendo aos poucos. Isso fez com que meus poderes mágicos despertassem e eu me revelei como no momento em que uma pedra toca a superfície de um lago calmo. Eu poderia ajudá-la, mas ela teria que me entregar os corações das mais belas jovens para permanecer com o seu maior tesouro.

No vilarejo em que morava, havia muitas camponesas cheias de sonhos. Durante o dia, andavam sozinhas pelo bosque colhendo flores e trazendo água de um riacho próximo. Numa das primeiras manhãs de primavera, a velha foi até lá e, escondida entre as árvores, ficou observando uma moça. Lembrou dos tempos em que era nova e linda assim como aquela diante de seus olhos e foi sentindo um ódio que crescia tomando conta de todo o seu corpo cansado e frágil. Quando a jovem chegou à margem, levou um golpe de punhal nas costas e caiu, sendo apunhalada inúmeras vezes até a morte. A velha abriu-lhe o peito arrancando o coração ainda quente. Jogou-o numa bolsa de pele de corça e empurrou o corpo nas mesmas águas frias em que lavou as mãos. Caminhou pelas ruelas até a sua casa tranquilamente, sabendo que era apenas o início de uma vida secreta. Entregou-me o coração e esperou pela noite. No dia seguinte, procurou pelos primeiros sinais de rejuvenescimento em seu rosto, mas ainda era cedo. Percebeu apenas o seu olhar diferente. Eram olhos famintos agora.

Os habitantes da pequena vila ficaram aterrorizados com o crime somado aos outros que se sucederam. Ela tramou muitas artimanhas para não levantar suspeitas, até o momento em que a vizinhança percebeu uma estranha na casa da velha solitária. Justificou que a senhora estava muito doente e era uma parente distante que veio cuidar dela. Logo depois abandonou o lugar para sempre. No caminho, teve um problema com a carroça e um rei que passava no mesmo instante, parou para ajudar e acabou fascinado por tamanha beleza.

Algum tempo após o episódio, casou-se com ele somente para satisfazer sua vaidade e ser a mais bela do reino, adorada pelo seu povo. O rei era viúvo e tinha uma filha. A menina tinha a pele branca como a neve, os cabelos negros como o ébano e as faces carminadas como o sangue. Era encantadora.

O marido não entendia como a cada ano que passava, sua esposa ficava ainda mais bonita. Pouco antes da princesa completar sete anos, a rainha viveu sua época mais exuberante. Seus cabelos eram da mesma cor das folhas tocadas pelo pôr-do-sol no outono. Os olhos eram verdes e instigantes como se guardassem almas múltiplas e seus lábios eram atraentes como cerejas frescas. Entretanto, a partir do sétimo aniversário da menina, sua beleza se apagava diariamente.

Era noite alta quando a rainha começou a andar de um lado para o outro no quarto. O rei percebeu sua aflição perguntando o que havia acontecido mas ela não lhe deu resposta. Apenas deitou em seus braços deixando escorrer uma única lágrima e logo adormeceram. Num sobressalto, acordou com a impressão de um pesadelo e lembrou da dama de companhia da princesa que era a serviçal mais jovem do castelo. Na manhã seguinte, sua enteada sentiu falta da criada, mas ninguém a encontrou. Somente dias depois soube-se que o corpo da moça havia sido encontrado na floresta com a garganta cortada e o coração arrancado.

A rainha não estava satisfeita e me questionou porque continuava a envelhecer tão rápido. Eu expliquei que conforme os anos do nosso acordo passassem, ela teria que me oferecer mais corações ou deixaria de ser tão formosa. Ainda assim, se ela me trouxesse o coração mais puro da mais bela da redondeza, ganharia mais tempo.

- Espelho meu, se revelar na sua superfície a dona do coração mais puro poderei cumprir a tarefa mais depressa. – pediu a rainha. E eu respondi:
- Ainda não sabe? Está mais perto do que imagina.
- A princesa... – falou admirada como quem acabara de descobrir o motivo de um sentimento que a intrigava, como se os seus olhos estivessem vendados para a realidade que se mostrava agora. Em seguida, certa da ação, pensou numa maneira de acabar com a filha do próprio marido. Numa tarde nublada e fria, depois que o rei saiu em viagem, ordenou que um caçador levasse a garota para a floresta e a matasse trazendo o seu coração como prova da morte.

Chegaram na floresta sob o pretexto de ver os animais silvestres, mas o rude homem apiedou-se diante da linda e meiga menina a implorar pela vida quando entendeu que estava ali para morrer. Ela lhe prometeu nunca mais voltar ao castelo e assim nunca ninguém saberia o que realmente aconteceu naquele dia. O caçador aceitou, pois uma vez na floresta junto aos animais ferozes, a morte dela era certa e ele não carregaria a culpa de um crime. No caminho, por entre as árvores, avistou um filhote de cervo e foi deste o coração que entregou.

Quando o recebi das mãos da rainha, não percebi que era de um animal nem tampouco ela desconfiou. O rei voltou sete dias depois e soube do desaparecimento de sua filhinha. Durante a viagem, ouviu histórias de uma aldeia vizinha sobre a morte de várias jovens cujos corações foram arrancados assim como acontecera com a serviçal do castelo. Como não encontraram nenhum vestígio da princesa, restou a esperança de encontrá-la viva. O tempo passou e notícias não chegaram. O rei era tomado cada vez mais pela tristeza por não saber notícias de sua querida filha e também por não ter outro herdeiro. A verdadeira idade da rainha jamais permitiria que lhe desse filhos. Era uma mulher belíssima por fora porém tão seca quanto uma uva passa por dentro.

Durante um período a menina vagou assustada pela floresta. À noite, relâmpagos e trovões deixavam o lugar ainda mais aterrorizante. Na chuva, ela correu sem rumo ferindo seus pés delicados e arranhando nos espinhos sua pele alva que aos poucos foi marcada por riscos vermelhos de sangue. De repente, viu uma clareira e nela o acampamento de um circo que se apresentava nos arredores do reino. Um velhinho com cara de duende a acolheu mortificado com os últimos acontecimentos de sua vida. Disse que poderia juntar-se à eles se não lhe importasse conviver com os seres mais espantosos da região. Muitos eram excluídos da sociedade e passavam a viver no circo e ela sendo tão bonita poderia não se adaptar. Mas era a jovem com o coração mais puro que exisitia e aceitou a ajuda.

A rainha gastava horas se admirando à minha frente e pouco a pouco continuava envelhecendo. Não demorou a notar que tinha sido enganada. Seu marido logo adoeceu misteriosamente. Uns diziam que era a falta da filha, outros falavam que a esposa não lhe dava atenção. Ainda havia os que justificavam que o mal procedia das duas coisas. Ele morreu sozinho.

O castelo estava vazio. A antiga solidão voltava a assombrar os dias da rainha. Eu lhe mostrei o que aconteceu naquela tarde em que sua enteada desapareceu. Ela pensava num modo de realizar a sua tarefa para recuperar a mocidade que estava se perdendo com as rugas que surgiam. Dispensou muitos empregados e passou a ficar mais no quarto. Saía muito pouco e quando o fazia, cobria o rosto com um véu. Numa manhã, olhou-se no espelho e viu que não podia mais ser reconhecida. Separou todos os livros de magia que pertenceram às suas ancestrais e descobriu vários feitiços, em especial, o da maçã encantada.

No acampamento, a princesa vivia momentos difíceis. As mulheres sentiam inveja de sua beleza e alguns homens a perseguiam. Havia alguns meses que o circo estava no mesmo lugar e em breve retornaria à estrada. Teria que partir também. Não sabia se com o grupo ou sozinha. Soube da morte de seu pai e chorou muito, por ele e por ela.

Enquanto o pessoal arrumava seus pertences para seguir viagem, uma velha camponesa apareceu por lá vendendo maçãs. Ela enxergou a garota mais afastada, do outro lado da clareira e foi ao seu encontro.

- Maçãs, mocinha? Olhe como estão apetitosas. – pegando a maçã enfeitiçada. Tinha sido habilmente preparada para ser a fruta mais perfeita e saborosa: por dentro suculenta e por fora de um vermelho tentador e com um perfume capaz de aguçar qualquer paladar, mas quem a provasse certamente morreria envenenado.
- Não tenho dinheiro, senhora. – disse a menina.
- Então será um presente. Já é tarde e acho que não vou mais conseguir vendê-las hoje. Será como uma bendição de uma velhinha para uma jovem cheia de vida pela frente.

Não teve como recusar algo de uma senhora tão gentil e amável. Parecia deliciosa e rapidamente deu uma boa mordida. Ela caiu desmaiada e quando a madrasta pensou em arrastá-la para dentro da floresta para abrir-lhe o peito, percebeu que um anão ao longe vinha prontamente. Apanhou a maçã da mão da enteada e correu com dificuldade sumindo mata adentro.

- Depressa, ajudem! – gritou o anão.

Ele falou da velha que havia fugido mas ninguém encontrou sinal algum. Também não acharam ferimento na menina, simplesmente estava sem vida. Ocupados com a mudança, poucos repararam a presença da camponesa com as maçãs e agora nada mais lhes restava a não ser enterrar o corpo. Mas o senhor que a recebeu não deixou que o fizessem. Chorou sobre o cadáver e corrido três dias e três noites continuava com o mesmo viço como se ela estivesse apenas dormindo. O homem então decidiu levá-la na viagem pois não poderia simplesmente abandoná-la sob a terra escura.

Os anos passaram conservando sua pele alva como a neve, seus cabelos sedosos e negros como o ébano e suas faces carminadas como o sangue. Em uma de suas andanças, chegaram ao reino vizinho ao da princesa. Uma multidão os acompanhou até a frente do palácio onde saudaram o rei. Do alto do balcão, o príncipe viu dentro de um dos carros a bela dormindo num esquife de vidro. Ele ordenou que trouxessem o responsável pelo circo para saber quem era a moça mais linda que até então tinha visto. O viajante contou de sua origem nobre e de sua sorte. O jovem herdeiro lamentou o destino cruel da princesa e pediu para ficar com ela prometendo dar-lhe as honras que prestam ao seres mais amados. Como já estava muito velho e temia o futuro, disse ao rapaz que poderia ir buscá-la no acampamento.

O príncipe se dirigiu até lá com alguns serviçais que prenderam o esquife na parte superior da carruagem e mandou que conduzissem até o castelo. No caminho, um movimento abrupto fez com que pulasse da boca da garota o pedaço de maçã que mantinha entalado na garanta. Ela respirou profundamente, abriu os olhos e começou a bater nas paredes de vidro. Os criados abriram a tampa surpresos e o nobre pendurou-se no carro feliz em vê-la com vida:

- Onde estou? – perguntou a jovem.
- Está comigo. Vou levá-la para o castelo do meu pai onde você estará livre das maldades de sua madrasta e se tornará minha amada esposa.

A princesa ficou maravilhada com a gentileza e o amor do príncipe e aceitou casar-se. O rei ficou tão alegre com o casamento do filho que ordenou a realização da festa mais linda da redondeza. Centenas de pessoas foram convidadas, entre elas o seu protetor e a madrasta. Esta teria retornado à floresta dias mais tarde ao envenenamento em busca do corpo da enteada, não encontrando vestígios do enterro. Curiosa para conhecer a princesa cuja formosura era enaltecida, foi ao baile coberta por um véu negro e teve uma surpresa ao vê-la. A noiva procurava com os olhos a rainha má entre os convidados e somente a reconheceu quando avistou em seu dedo um precioso anel que pertencera à sua mãe. Arrancou-lhe o véu e lembrou do olhar inconfundível de sua madrasta, não lhe restando dúvidas. Os soldados a seguraram e, à força, colocaram-lhe sapatos de ferro. Ela foi condenada a dançar sem parar sobre um braseiro até a morte.

Com isso, os dois reinos foram unidos e os pertences da madrasta em grande parte foram queimados. Eu fui coberto por uma pele de corça e guardado num depósito em uma torre onde quase nunca aparece ninguém, mas ainda tenho a distração de ver o que acontece em todo o território. Sei que a mais bela menina do coração mais puro se transformou numa admirável mulher. Está feliz e plena pois se tornou mãe de uma linda princesinha. Há também uma outra garota aqui. Ela foi abandonada por uma camponesa numa das portas laterais do castelo e a jovem de pele alva que agora é uma rainha, batizou essa pobre menininha e lhe dá toda a assistência necessária. Muito curiosa, às vezes ela vem até o depósito. Já me descobriu algumas vezes para admirar o seu reflexo, mas existe alguma coisa em seu olhar que me é familiar. Como não tenho o dom de ver o futuro, somente os fatos que já ocorreram, não sei o que está reservado para esse lindo e tranquilo reino...

domingo, 27 de junho de 2010

olá,

De acordo com a proposta do nosso último encontro (escrever a partir da criação de Paulo Leminski e agregar ao nosso texto ou o contrário), segue o que eu lhes apresentei:

Cortinas de seda
O vento entra
Sem pedir licença*

No copo
Pequenas doses de ilusão
À espera de lábios quentes.

***

Dias apressados
A janela desenha no chão uma gaiola
Que desaparece
Quando o sol vai embora.

À noite me pinga
Uma estrela no olho
E passa.*

*Paulo Leminski


Por favor, não me deixem sozinha nessa! Postem o de vcs tbém!
abraços,

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Amante

Vocês mulheres, isso mesmo, vocês. Tenho por mim que serei, em curto espaço de tempo, um defunto ilustre no fundo dos olhos de cada uma. Irão relevar minhas faltas, pois vou me adaptar facilmente a seus gostos. Sou incondicionalmente cúmplice de suas vontades, desejos.

Aliado maroto a sua crise de rebeldia, deixarei acender e apagar sua chama de desejo por toda noite que puder roubar. Não tenho ciúmes, e sou sempre dado a amores novos. Preencho vazios. Coração não fica na ponta do medo, aproveita intensamente os segundos que não terminam. Vivo.

Queridas, espero que esqueçam o que muitos dizem sobre o que sou. Tenho um coração quente e sou amarrado pelo corpo. O suor das suas mãos é o tempero da minha fome.

Tá! O ibope vem aumentando, e tenho agenda cheia, mas nunca me esqueço de você. Ligo quando menos esperar. No que faço não existe profissionalismo. Já imaginou Don Juan empregado? Não pode ser. Amo todas, e transformo suas necessidades escondidas em atrevimentos reais.

Dou flores na tarde morna; beijos na nuca; trago arrepios que se espalham no corpo dando a notícia da paixão; fogo; falo na hora exata de sua vontade; beijo; ser teu quando estivermos sós; forte na medida certa; gozo; cafajeste para corromper honestamente seu coração; deixar o tempo para os outros e dar-lhe vida; intensidade; morder seus lábios carnudos e transformá-los em beiço pronto para o choro quando partir; fazê-la sentir-se criança querendo mais, e mais, e mais...

O romance pode escrever nossa história, e a novela que vocês vejam em casa.
Eu? Sou, tipo assim, uma crônica: leve, ligeiro, alegre e sedutor.

Mulheres, aquilo de querer, ainda me levará até seus pés.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

"A Valsa" - Casimiro de Abreu


Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!... Valsavas: — Teus belos Cabelos, Já soltos, Revoltos, Saltavam,
Voavam, Brincavam No colo Que é meu; E os olhos Escuros Tão puros, Os olhos Perjuros Volvias,
Tremias, Sorrias, P'ra outro Não eu! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti!
Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!... Meu Deus! Eras bela Donzela,
Valsando, Sorrindo, Fugindo, Qual silfo Risonho Que em sonho Nos vem! Mas esse Sorriso Tão liso Que tinhas Nos lábios De rosa, Formosa, Tu davas, Mandavas A quem ?! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas,.. — Eu vi!... Calado, Sózinho, Mesquinho, Em zelos Ardendo, Eu vi-te Correndo Tão falsa
Na valsa Veloz! Eu triste Vi tudo! Mas mudo Não tive Nas galas Das salas, Nem falas, Nem cantos, Nem prantos, Nem voz! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti!
Quem dera Que sintas!... — Não negues Não mintas... — Eu vi! Na valsa Cansaste; Ficaste Prostrada, Turbada! Pensavas, Cismavas, E estavas Tão pálida Então; Qual pálida Rosa Mimosa
No vale Do vento Cruento Batida, Caída Sem vida. No chão! Quem dera Que sintas As dores
De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... Eu vi!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Auto-retrato

Vincent Van Gogh, Auto-retrato, 1889.

Ao entrar naquele ambiente logo pude ver um reflexo subliminar. Inicia sério, parecendo requerer distância, sem muita conversa. Um que de reservado, por vezes de arrogância. Pelos traços de seu corpo tudo indica um perfeccionista: cabelo, roupas, óculos,... Os reflexos são admiráveis, digamos que à primeira vista um bom partido. Os olhos têm particularidades, implicam num leve tom de tristeza. Requer ser decantado, dar oxigênio para respirar. Evoluir. Não meses, mas em horas, com a troca de poucas palavras é bom ouvinte, muito amável. Honestidade o permeia, é o orgulho de tanta bondade. Ainda persiste um amargor, porém nada que tire o equilíbrio. Ao ser questionado, logo se dá a perceber que não aceita opinião dos outros. Críticas, nem pensar. Apesar de querido, como um amante, ainda assim pede distanciamento. Estranho, para um poço de simpatia. Acende-se uma luz mais forte, e vejo então os contornos do espelho que me denuncia...

Postado por Fábio Antonio Filipini

segunda-feira, 29 de março de 2010

Ouvir Estrelas - Olavo Bilac


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”

(Poesias, Via-Láctea, 1888).

quarta-feira, 3 de março de 2010


Mundo de Ivy



Em dias de inverno, a água quente do banho deixava o ambiente enfumaçado que mal se podia ver o desenho do azulejo. Dias frios guardam um perigo silencioso e mortal: repentinamente a chama piloto do aquecedor apagou deixando com que o gás lentamente tomasse conta do cômodo sem que Ivy percebesse. Depois de algum tempo, abriu a porta e sentiu o choque da temperatura do seu corpo com o ar gelado antes de cair no chão, desfalecida. A tia foi quem a encontrou e tentou reanimá-la, mas neste momento já não ouvia os sons deste mundo.

De repente um movimento. Viu luzes no teto como se estivesse sendo transportada numa maca pelos corredores de um hospital. Ouviu vozes que apressavam o socorro, sem nome, sem rosto. Num segundo, não estava mais lá. Não sentia atrito dos pés com nenhuma superfície, mas também não caía. Quem sabe flutuasse. Talvez estivesse numa sala vazia ou num buraco sem fim. Não conseguia saber, pois tudo era escuridão. Então alguém surgiu do nada e pôde ver uma face conhecida estranhamente iluminada. Era seu tio, morto há dois anos devido a um aneurisma. Ele se aproximou com um olhar carinhoso. Estava ali por um motivo que ela não queria aceitar. Era uma chance de se despedir, de realmente dizer adeus, mas sua mente recusava a realidade que viveu. Era como se o fato dele estar diante de seus olhos, tão perto de suas mãos, pudesse levá-lo de volta ao convívio familiar e a sua morte fosse apagada do tempo. Mas o passado não podia ser alterado, não era o seu tio quem estava no mundo dos vivos e sim Ivy quem vagava pelo desconhecido. Quando tentou segurá-lo pedindo para que não partisse, não viu seu olhar mudar em momento algum, seu semblante manteve-se tranquilo sumindo lentamente até desaparecer por completo.

Com uma sensação de tristeza meio sem sentido, tirou as mãos do rosto ainda molhado pelas lágrimas e percebeu que encontrava-se numa floresta. As folhas coloridas das árvores foram as primeiras a chamar a atenção. Balançavam com a brisa que fazia como se lá do alto saudassem a sua chegada. À frente, um caminho de paralelepípedos que continuava mata adentro, então viu que ao lado tinha uma casa, sendo curioso não tê-la notado antes.

Uma senhora com um ar misterioso a recebeu com um sorriso como se estivesse à sua espera. Embora se apresentasse muito amável, Ivy não conseguia deixar de sentir certo receio com relação à velha e toda aquela situação. A mulher mostrou os cômodos da casa, começando pela sala onde havia um homem e uma moça, ambos indiferentes à presença da jovem e depois uma espécie de copa com uma mesa repleta de pães caseiros. Uma luz natural clareava todo o ambiente que era muito aconchegante como casa de vó, deixando a desconfiança que sentia cada vez mais sem propósito.

- Você pode ter o que quiser. - disse a velha enquanto caminhavam.

Ivy soube que nem todas as pessoas enxergavam a casa, surgindo somente aos olhos daqueles que, por alguma razão, eram permitidos. Isto lhe pareceu tão incrível e ao mesmo tempo tão assustador que ela não mais conteve o medo. E por não acreditar que não estava em perigo, pois percebia tudo ao redor como algo à parte de si mesma, foi levada exatamente para o ponto onde estava na floresta quando viu a casa e que agora havia sumido.

Logo em frente avistou uma carruagem negra na qual entrou, pois assim intuiu que era o melhor a fazer. Havia também camundongos brancos que conduziram o carro por horas através da floresta. A viagem durou tanto que, ao entardecer, Ivy cochilou.

No momento em que acordou, estava numa calçada de uma cidade desconhecida. Pelas ruas transitavam apenas militares. A garota andou alguns metros até uma casa com a porta aberta. Ao entrar, poucos móveis dispostos sem ordem numa sala. Seguiu por um corredor vendo o interior dos cômodos em que passava, mas todos estavam vazios. Nos fundos havia outra porta. No instante em que se dirigia à saída, um homem de meia idade apareceu. Ele tinha uma cara séria e rapidamente segurou a mão dela erguendo-a na altura dos olhos e perguntou:

- Onde conseguiu isto?

Ivy olhou assustada, pois um anel havia surgido em seu dedo como mágica. Sem conseguir dizer uma palavra, deixou que o homem pegasse a joia e a examinasse contra a luz. Ao acompanhar o anel com os olhos, Ivy avistou algumas casas no alto de um morro e em seguida, uma mulher com trajes brilhantes e movimentos suaves parecendo dançar. Tal visão despertou um encantamento interrompido pelo som de uma voz cordial:

- É verdadeira! - disse o homem com uma expressão bem mais receptiva, como se a posse daquele objeto valioso tornasse seu dono especial. Ele acompanhou Ivy até a figura que lhe provocou tamanho fascínio. Quando se aproximou, reparou que a mulher tinha um rosto com traços delicados realçados pela maquiagem, cabelos castanhos e longos e vestia uma roupa cheia de enfeites como as de espetáculo, mas sua cintura era tão fina que causou-lhe um desconforto sugerindo a ideia de uma atração de circo de horrores. Embora a nova visão tenha provocado uma sensação diferente da primeira, tinha algo de familiar para Ivy, algo que lembrava ela mesma, mas era um reconhecimento tão íntimo que não saberia separar do resto do seu ser para identificar.

Com um sorriso fraternal, a mulher pendurou no pescoço da jovem uma corrente de prata com um pingente delicado que ela prontamente segurou entre os dedos para admirar. Ficou surpresa ao reconhecer as formas gravadas na joia. Era o mesmo desenho do azulejo do banheiro da sua residência. A lembrança ocorreu como um raio em sua mente fazendo com que imediatamente abrisse os olhos diante da sua família, na sala da casa onde morava.

Ivy foi levada ao hospital, pois tinha perdido os sentidos por alguns instantes. O médico falou que ela poderia ter morrido se continuasse inalando o gás por mais alguns poucos minutos.

Dias depois, não se lembrava do que tinha acontecido enquanto esteve inconsciente. Folheava um livro velho da estante na casa da avó quando um papel caiu no chão. As palavras nele escritas soaram como amoníaco nas narinas de quem teve uma síncope:

A carruagem já não é mais necessária para atravessar a floresta. Os camundongos estão livres para voltarem ao lugar do qual pertencem.

Esse dia marcou o despertar de Ivy para algo novo. Ela passou a viver nos dois mundos, seja à noite, em sonhos, seja durante o dia, no que muitos chamariam de delírio.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Milla

Autor: Fábio Antonio Filipini

Nestor até que é um cara legal. Mora num condomínio onde tem muitas crianças – a maioria de deixar o “coisa ruim” de cabelo em pé – coisas da modernidade. Apesar dos contratempos da vida anda muito alegre. Diria apaixonado para ser mais preciso.
Conta ele que a belezinha sempre o recebe com carinho. Alegria que dá gosto. Não sossega se não receber atenção, carinho. Espera-o à porta, parece adivinhar a hora de sua chegada. Sentimento de quem é apaixonada, dependente.
Agora está criatura tem um sério problema, não gosta de crianças. Até quando resolve passear já fica logo agitada na presença delas.  O simples fato de vê-las, já a põem nervosa. Dizem os entendidos que é porque não teve seus filhos. Coisa estranha. Vá saber. Trauma? Talvez.
Sempre ao lado de Nestor, foi à única que agüento o cara durante seu mestrado, e haja mal humor – conheço muito bem o fulano, quando irritado é ruim de suportar. Mas ela, não se dá por vencida, parece não temer a vida. Com ele é segura. Agora, Nestor por vezes tem vergonha de sair com ela. Tanto carinho dela, e o cara me vêm com uma destas. Na verdadeele é duro na queda, não vê seus sentimentos.
Certa vez cheguei a conhecê-la. Para mim nada fora do normal, simpática. Nada vi de diferente, ou especial. Porém o Nestor, santo Deus! Já tá quase uivando por ela. Só ele não vê isto. Olha não me surpreenderia de ver o cara abanando até o rabinho feita aquela schnauzer. É meu amigo leitor, a belezinha na vida de Nestor é Milla. Uma cadelinha – no bom sentido – e tá quase deixando o cara de quatro.
Como continuação das atividades iniciadas na Oficina de Literatura UT PICTURA POIESIS (Textos Plurais) da Fundação Cultural de Curitiba realizada em 2008 e 2009, ministrada pela escritora Monica Berger, nosso blog torna-se agora a Confraria dos Escritores da Ordem (CEO).
Inspiração e muitas boas ideias à todos os colaboradores!
Abraços

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ESCAPE


NA FUGA AUDAZ DA VIDA

LIBERTINA

A CAMINHADA LONGA ASSUME

TEMOR NO CORAÇÃO

NÃO POSSO MOVER MEUS PASSOS

POR ESSE ATROZ LABIRINTO

DEPARO-ME COM O INGREME INFINITO

A FUGA NÃO ME APRAZ

querido(a)


QUE O NOME QUERIDO JÁ
NOS SOA COMO OS OUTROS
BANALIZADO NO AMOR
REPETIDO NA DOR
REALMENTE NÃO SOA
MAS ECOA, ATÉ O FINAL
QUERIDO AMOR, BANDIDO
AMOR AMIGO
AMOR AMBÍGUO

SOLITÁRIO



No amago de sua alma
Aplaca intenso amor
Fulguras o rebelde imortal
Avilta a performace de um ser
Recluso no intimo da vida
E no rol da multidão
Sente-se só
Não fala, não pensa
Só age
Extravasa em piruetas da dança
Este amor incessante
Sob aplausos, retorna
A clausura da solidão

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Máquina do sonho, de Leo Goyenaga, ou Ansiedade

- Por que será que uma espécie de imagem de um pássaro perto de um ninho coalhado de ovos iluminado por uma lâmpada se chama "A máquina do sonho"? O que o olhar do pássaro espera com tanta ansiedade?
-Provavelmente que os ovos se abram.
-Todos ao mesmo tempo? Um por vez? Alguns agora e outros mais tarde, como um começar de novo caso os primeiros não venham a dar certo? E o que significa dar certo?
-Provavelmente que todos vinguem em um mundo em que um come o outro.
-O que será que vai sair de cada ovo?
-Um pinto.
-E por que aquela lâmpada está pendurada em cima do ninho? O que ela significa? Onde a mãe conseguiu?
-Aquela lâmpada representa a luz que serve de guia para aqueles pintos, sua besta!
-E... E...
-Já chega de tantas perguntas! Primeiro saboreie o fato: os ovos no ninho iluminado, vigiados pela mãe ansiosa. Agora espere os pintos nascerem, para vermos mesmo se são bons para o banquete anual das águias...
Fim.

Coração da casa, David Creedon

O Vermelho, como se fosse a paixão de Cristo, arde na casa.
A casa é velha, deteriorada, precisa de muitas coisas.
Provavelmente como a gente que habita nela.
Independente disso, lá está o retrato de Cristo, belo e faiscante na serenidade que veio, em teoria, trazer para o mundo.
O Vermelho sustenta esse Homem. É um fogo, uma lareira, um brasão, um brado, um bardo.
O Cristo não veio trazer dinheiro, veio trazer esperança. Por isso que é bem recebido, mesmo por quem precisaria ter a primeira coisa para alcançar a segunda. Por isso que é sempre posto em primeiro lugar, num altar.
Nosso Senhor, que nasceu humilde numa manjedoura, rogai por esta família da foto, que te coloca em primeiro lugar na casa, mesmo ela e a casa precisando de tanta coisa! Amém!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Depois da Chuva

Ainda que não fôssemos os mesmos, nossos segredos permaneceriam enterrados no quintal de nossas casas até a última chuva. Então não precisaríamos fugir... Mas é preciso deixar que a sombra toque os sonhos juvenis antes que o dia escureça e nossos passos não reconheçam o caminho de volta.
Seguiremos por trilhas rabiscadas em busca de um horizonte colorido e suave como aquarela. Às vezes o vento soprará contra bagunçando os nossos cabelos mas trará também o cheiro das rosas. O brilho dos seus olhos será lembrado em noites estreladas assim como o céu violeta me lembra algo bom perdido no tempo, gravado num espaço infinito como uma canção eternizada que fala de saudade.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Passos delicados num jardim de pedra
Para além da floresta sem nome
Onde pássaros beijam flores negras

O tempo repousa agora num sorriso esquecido

A brisa não toca mais seu rosto
Amarelado fim de tarde
À espera do céu da noite.