segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma mulher especial

Fiquei duas semanas sem postar, por diferentes motivos. Por isso, aqui vai uma homenagem um tanto tardia às mulheres pelo dia delas.
Como mulher, gosto que haja um dia só nosso, claro. É uma pena, no entanto, que as felicitações ao nosso sexo se restrinjam sempre aos mesmos temas: a mulher é carinhosa, transpira mais cuidados que o homem, repara mais nos detalhes, enquanto que ele só repara no todo, foi muito injustiçada no passado, e ainda é hoje, pois a violência doméstica continua sendo uma realidade em muitos lares, brasileiros e do mundo. Não que esses temas não sejam importantes, principalmente o da violência é essencial. O que sempre penso é que tudo isso é muito pouco para formar uma identidade, seja de uma pessoa, seja de um grupo social (mas em pior situação ainda estão os homens, que só começaram a ser pensados em oposição às mulheres a partir de meados do século XX, com o fortalecimento do movimento feminista no mundo). Esclareço que ainda não li Simone de Beauvoir, que diz que a mulher não nasce, se faz. O que ela aponta como sinais de que uma pessoa está caminhando nessa direção, ou que já está bastante avançada nessa tarefa? (Quando ler, conto para vocês, hehe.) Só um adendo: em pleno século XXI, o fato de uma mulher assumir o posto de maior poder de um país, qualquer país que seja, ainda é visto com admiração, quando já deveria ter se tornado um fato corriqueiro. Mas, enfim, antes tarde do que nunca.
Na verdade, meu foco é outro. Não sei por que, ao me lembrar de mulher acabei me lembrando de uma personagem de Érico Veríssimo, Bibiana Terra, que aparece no livro "O tempo e o vento - O continente I". Não é muito difícil encontrar referências a ela como sendo uma mulher forte. Mas eu sempre questionei isso. A moça vive sob a tirania do pai, Pedro Terra, casa-se com o homem que ama, o capitão Rodrigo Cambará, mas cai num inferno, pois o marido, depois de um tempo, se cansa dela e acintosamente procura outras mulheres, bebe e joga. E ela agüenta, o importante é que ele não a deixe (além do amor, ela tem dois filhos com ele). Talvez a força esteja no fato de que, mesmo com toda a cidade sabendo o que Rodrigo apronta, ela não diz uma palavra ao pai sobre isso. Não pensa em voltar para a antiga casa, mesmo Pedro Terra franqueando a entrada para a filha, com pena dela. Pelo menos eu, todas as vezes em que li esse romance, ficava "aconselhando" Bibiana a largar desse homem, que não valia a pena. Mas ela, nada. Mesmo quando o capitão foi irresponsável a ponto de largar a filhinha morrendo para jogar baralho. Ou durante a batalha em que ele tomou parte e da qual viria a morrer: Bibiana continuou firme, sozinha na casa, porque tinha certeza de que ele viria lá para dar um oi, e se ela não estivesse lá ele não saberia onde encontrá-la, e realmente seria a última vez em que se veriam. Ou seja, uma perfeita amélia. Não tenho certeza disso, mas, para mim, foi Érico quem criou primeiro essa figura na nossa literatura, mais ou menos na mesma época em que Mario Lago imortalizou o famoso samba (que, no entanto, não foi o primeiro a dar o significado da mulher que sofre por amor para essa palavra: ela já existia assim, embora não de forma muito clara, num poema de Júlia da Costa, poetisa catarinense que viveu em Curitiba no século XIX). Érico mostrou uma mulher forte, mesmo tendo toda uma aparência de fraca, mesmo com o tipo de vida que levava, mesmo sendo uma amélia. Bibiana se contentava em ser casada com Rodrigo Cambará. O que mostra que a força feminina não é tanto resultado do tipo de vida que se leva (a não ser que se tenha desejado e lutado para alcançar aquilo), como a mídia muitas vezes acaba passando, mas pode vir de elementos impensáveis. A personagem vivia, não cobrava muito da vida, porque a vida já cobrava muito dela. De vez em quando vinha a felicidade, em pequenos momentos, como o último encontro entre eles, emocionante. O que é a felicidade? Ela não tenta descobrir, apenas a vive, quando aparece. É essa a sabedoria típica de nossas avós e de muitas mulheres simples e afastadas dos grandes centros urbanos que vivem por aí. Embora as questionadoras tenham sido muito importantes também, para a história da humanidade.
Por tudo isso, em homenagem à mulher elejo Bibiana Terra como uma mulher interessante para se conhecer e admirar. Mas não esqueço as minhas personagens reais favoritas: além das já citadas Simone de Beauvoir e Júlia da Costa, Anne Frank, Hellen Keller e Anne Sullivan, Marie Curie, Joana D´Arc, Olympe de Gouges, Coco Chanel, George Sand (se travestia de homem para poder ser escritora), Madre Teresa de Calcutá, Dra. Zilda Arns, Rosa Luxemburgo, Chiquinha Gonzaga, Júlia Wanderlei, Cecília Meireles, Cora Coralina, Carmen Miranda, Isadora Duncan, Virginia Woolf, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Pagu, Maria Quitéria, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Martha Medeiros, Marleth Silva, Maria da Penha e tantas outras cujos nomes não estou me lembrando agora. Viva nós!
O poema da Júlia da Costa (1844-1911):
Amélia
Quando no centro dos bosques
A rolinha pipilar,
Uma saudade me manda
Nas ondas do alto mar.
Nas ondas do alto mar
Quando a noite for formosa,
Me manda de teu piano
Uma nota harmoniosa.
Uma nota harmoniosa
Que defina o teu sentir;
Que me traga uma saudade,
Que me mostre o teu sorrir.