segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ode à solidão

Estes dias vi, pela Internet, a nova propaganda da Revista Superinteressante, revista que me acompanhou, se não na minha infância, pelo menos na minha adolescência, e à qual devo muitíssimo. E a propaganda estava muito bem feita, traduzia bem o espírito da revista, ainda que comece com uma verdade inquietante: todas as regras que você segue hoje vão mudar amanhã. Porque a ciência está sempre se reformulando.



No entanto, há alguns meses tive uma decepção com essa revista, e ela foi reavivada pela propaganda. Não lembro em que mês, a matéria de capa dizia que quanto mais amigos uma pessoa tiver, mais feliz ela será. Claro que fiz questão de ler, e fiquei espantada com o tom infantil da reportagem, que dizia que se você tiver no mínimo quatro amigos você já será beneficiado com essa felicidade, contendo até mesmo um infográfico apresentando uma escala de quantidade e efeitos psicológicos. Até um limite, pois a própria revista reconheceu que existe um número-limite de amigos que uma pessoa pode ter ao longo da vida, mesmo estando conectada em várias redes sociais. Isto foi mencionado na propaganda, durante alguns segundos. E, adivinhe só, quem vive sozinho está condenado à infelicidade, ao alcoolismo, à depressão. Automaticamente. (Verdade seja dita que esta outra parte não estava escrita na revista, nem dita na propaganda, andei vendo em reportagens publicadas em sites como Yahoo! e MSN). Só concordo com o argumento de que ter alguém por perto incentiva a pessoa a cuidar melhor da saúde e da aparência.


A primeira questão de tudo: o que é amizade? Será que alguém sabe responder quando é que uma pessoa passa de simples conhecida a amiga? Pessoalmente, acho que as redes sociais banalizaram a palavra "amigo", porque muitas aceitações que passam a ser conhecidas com esse nome são pessoas que aparecem do nada e pedem para ser adicionadas - algumas vezes são completamente desconhecidas, outras são pessoas com as quais se convive, mas sem muito contato, e que de repente passam a compartilhar fotos e intimidades do "adicionador". Não é estranho? E simplesmente se aceita, porque é fácil, é só apertar um botão. Ou até para contabilizar mais amigos. Fico pensando se amigos são garrafas de felicidade que podemos beber para então ficar felizes.



O que estou tentando dizer aqui é que, por estas vias, se valoriza muito a quantidade de amigos, que é a dimensão que pode ser facilmente exibida a quem quer que seja, inclusive ao próprio ego, e não a qualidade, que é mais difícil de obter e de enxergar. Lembro de um provérbio chinês que diz que, para se ter um amigo, é necessário comer dois sacos de sal, querendo significar que leva muito tempo para fazer de alguém um amigo. O que será que se esconde por trás dessa obsessão pela quantidade, mesmo em detrimento da qualidade?



Suponho que o medo da solidão e, por consqüência, da infelicidade. Como se ter uma multidão ao redor impedisse sempre alguém de se sentir solitário, mesmo em meio a ela, por faltar integração. As relações humanas são muito mais complexas do que estamos acostumados a compreender. Em contrapartida, nem sempre alguém solitário é infeliz. E se foi a pessoa quem escolheu esse tipo de vida? Não consigo imaginar gente como Dalton Trevisan, Jack Nicholson, Selton Mello ou Chico Buarque infelizes, estando livres para fazer o que quiserem e voltar à hora que bem entenderem para casa, só procurando companhia quando necessitam dela. Guy de Maupassant, outro solitário desse naipe e um dos meus contistas favoritos, escreveu muitas histórias cujo protagonista tinha exatamente esse estilo de vida - ainda que acabassem enlouquecendo, porque só tinham compromisso com os próprios prazeres (e isso incluía não fazer nada de útil na vida), creio que o escritor também gostava dessa liberdade, devido ao modo como a descreve. E o detalhe é que Maupassant tinha grandes amigos, a começar por Flaubert, seu mestre, mas também precisava dessa solidão e liberdade, inclusive para trabalhar.




Pode até ser um modo de vida interessante, melhor do que se cercar de gente só para não se sentir só, e mesmo assim se sentir, inclusive suportando uma relação insustentável por causa disso. Talvez seja o melhor modo de vida para estas pessoas mencionadas acima porque é o que melhor se ajusta à personalidade delas. Será que alguém já parou para pensar que existem certos tipos de personalidade que preferem a solidão? Será que isso a ciência explica?


Errata: Na crônica da semana passada, o nome da paróquia localizada no bairro Ganchinho, que realmente existe, é "Nossa Senhora dos Migrantes". Por uma letra...

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