segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tolerância e enriquecimento cultural

Quando se fala em preservar o planeta, normalmente só se pensa em ecologia, e não também na paz entre os homens. Até parece que a globalização resolveu de vez esse problema, ao fazer as diferentes culturas humanas se comunicarem entre si, por meio da mais moderna rede de comunicação que temos. Mas será mesmo que dá para acreditar que a globalização resolveu o problema da distância entre os mais variados povos do mundo? Para início de conversa, ela inclui mesmo todos os povos nesta comunhão? O objetivo da globalização é econômico, só apoiando a cultura quando esta é rentável. E a paz entre os seres humanos é outra frente pela qual devemos pensar em preservar o planeta, ao procurar criar mais pessoas dispostas a ser tolerantes com diferenças.

Vi este ano dois filmes que mostram que ainda tem muito chão para aprendermos mais esta lição, mas que também mostram caminhos possíveis para ela. Um deles, que mostra um primeiro estágio de se conviver com uma cultura diferente e mergulhar nela, é "Tempos de Paz", de Daniel Filho. O personagem de Dan Stubalch é um polonês que faz questão de aprender a língua portuguesa, e chega a se encantar com a poesia brasileira. Pensa que os brasileiros seriam puros demais para saber o que é o aniquilamento causado pela guerra, a ponto de provavelmente nem ter palavras que abordassem esse assunto, porque a violência não existiria aqui. Ele é obrigado a rever esse conceito quando, ao chegar ao Rio de Janeiro, fugido da Segunda Guerra Mundial, encontra um truculento oficial (Tony Ramos), xará seu, que narra com naturalidade cenas de tortura que infligiu a várias pessoas que de uma forma ou de outra foram tidas como inimigas, e sempre deixando claro que "só cumpria ordens". O próprio polonês tem que vencer a ignorância da autoridade para não ter que voltar para a Polônia arrasada pela guerra, e acaba lançando mão da sua arte para isso, pois ele era ator. Mesmo ignorantão, o Segismundo brasileiro se comove, uma personificação da aceitação que muitos intelectuais europeus, que inclusive aparecem no final, tiveram no nosso país. E essas pessoas acabaram tendo influência sobre a nossa cultura. Lembro de três exemplos: Ziembinski, Paulo Rónai e Otto Maria Carpeaux.

O segundo filme já focaliza o elemento estrangeiro instalado no povo que o acolheu. "Homens e Deuses", do diretor francês Xavier Beauvois, se baseia em fatos reais para contar a história de um grupo de monges franceses na Argélia que morreram na mão de terroristas que, diante do caos político em que estava o país, estavam querendo fazer revolução para tomá-lo. O grande dilema desses monges era, primeiro, aceitar ou não ficar sob a proteção do governo corrupto e, depois, permanecer no país ou voltar para a França. Mas a cena exemplar da tolerância cultural dos religiosos católicos (embora haja outras) é quando os terroristas estão prestes a invadir o mosteiro e o líder dos monges, frei Christian, se propõe a convencê-los a não fazer isso. No diálogo, ao explicar que justamente aquela era a noite de Natal, ele repete algumas vezes, referindo-se a Jesus, "Issä, o Príncipe da Paz", que é como os muçulmanos nomeiam Jesus. Ou seja, teve a sensibilidade de traduzir sua fé para a língua deles, ainda que só visando ao claro objetivo da não-invasão. Quando o líder dos invasores finalmente entende de que data se está falando, ele vira-se para os companheiros e, ao repetir em árabe o que lhe disse o frei, demonstra conhecer a importância do Natal para os seguidores de Cristo. Em sinal de respeito, resolve não invadir o mosteiro, pelo menos não naquela noite, pede desculpas e ainda estende a mão para frei Christian, que a aperta depois de hesitar um pouco.

É sublime o interesse em conhecer a cultura diferente e o respeito a ela, que cada um destes filmes mostra de um jeito. Trata-se de uma grande oportunidade, no mínimo, de enriquecimento pessoal e intelectual, tanto para pessoas como para países. Mas a tolerância também envolve desafios e até sacrifícios. No primeiro caso, o polonês precisou modificar uma idéia linda que tinha sobre o povo que o acolhia, e ainda lutar contra uma hostilidade para poder ficar, hostilidade com a qual ele não contava. Não chega a ser um drama, pela maneira como esse personagem encara e vence essa realidade. Mas creio que a perda dessa inocência, até cômoda em certos casos, de se pensar só bem ou só mal de uma determinada cultura, é um dos motivos que faz muita gente ter medo e fugir do que é diferente.

No segundo, a situação é mais trágica. É lógico que os monges não podem concordar com a forma de lutar do grupo terrorista, que chegou ao ponto de matar pessoas em plena luz do dia, à vista de todos. No entanto, devido a preceitos religiosos, também não podia concordar com a execução do líder dos terroristas e com a profanação do cadáver feita pela multidão indignada. Sem contar que algumas vezes sentiram a rejeição de alguns argelinos, por eles pertencerem ao povo que no passado os colonizou e empobreceu. Esses monges, com a exceção de um, acabaram mortos pelos fanáticos terroristas - mas, antes disso, frei Christian teve a oportunidade de deixar claro que isso vinha de uma parte dos muçulmanos, não da cultura muçulmana em si, na qual todos eles encontravam até muito sentido. Lamentável que deles só restou o exemplo, não é? Talvez se os assassinos tivessem usado da mesma humanidade que as vítimas usaram com eles...

É aquela velha história: não é fácil, mas vale a pena. Prêmio: um mundo sem guerras.


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Aviso aos meus leitores que vou tirar férias em dezembro e janeiro. Volto na primeira semana de fevereiro. Obrigada a todos que me acompanharam neste ano. Feliz Natal e um próspero Ano Novo!

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