segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Diferentes modos de fama

Estou de volta, depois de dois meses de ausência. Devo dizer que tive férias muito agradáveis, embaladas por uma paixão de infância: a mitologia e dramaturgia gregas.

Esta paixão começou com a leitura do livro "O Minotauro", do Monteiro Lobato (dos livros infantis dele, este é o meu favorito, o que mais falou comigo), no qual ele leva o pessoal do Sítio para a Grécia Antiga, a fim de resgatar a Tia Nastácia, que tinha sido seqüestrada pelo Minotauro, o monstro do labirinto do Rei Minos que Teseu matou. E o autor não perde a oportunidade de contemplar duas épocas da Grécia de antes de Cristo: a mitológica, antes mesmo do acontecimento da Guerra de Tróia, que é para a qual vão Pedrinho, Emília e o Visconde de Sabugosa, e onde está a Tia Nastácia (segundo o livro, século XV a.C.), e a do tempo em que Péricles a governava (século IV a. C.). Nessa é que ficam Dona Benta, Narizinho e até o Marquês de Rabicó. E creio, inclusive, que esse livro acaba dando uma dimensão até mais profunda a essa sensação de poder se relacionar com vultos históricos de outros tempos do que o filme "Meia-noite em Paris", que também vi nestas férias, porque ao contrários do protagonista do filme de Woody Allen, os personagens de Monteiro Lobato não conseguem parecer que são da época na qual eles vieram parar, porque a distância temporal é muito maior (o ano deles é 1939 d.C., ou seja, são, respectivamente, 35 e 24 séculos de separação!). Óbvio que tudo, as roupas, as comidas, os menores utensílios cotidianos, quase tudo que falam é motivo de incompreensão para os gregos. E o melhor é que os "picapauzinhos" tentam explicar as coisas modernas, seja para se divertir com o espanto dos gregos, seja para tentar se fazer compreender minimamente, seja para saciar a curiosidade deles. O que dá um charme todo especial ao livro, principalmente à sua linguagem, mas também às situações que acabam aparecendo - por exemplo, os gregos chegam a experimentar pipoca e batata frita, comidas que não existiam entre eles porque eles não conheciam o milho nem a batata, plantas originárias da América. Até hoje às vezes me perco em devaneios em que viajo para outras épocas, encontro meus ídolos (o próprio Monteiro Lobato, Lima Barreto, Cruz e Sousa...) e não posso escapar de ficar dando esse tipo de explicações.

Isso foi uma das coisas que mais me chamou a atenção em "O Minotauro". Mas o livro acaba também sendo uma declaração de amor à cultura grega antiga, na qual às vezes até respinga o desprezo do próprio Lobato pelos modernistas. Mas o importante é que me fez ter vontade de conhecer melhor a mitologia grega, da qual, não sei quando, passei às peças de teatro - cheguei a ler "Édipo Rei", de Sófocles na escola, mas demorou muito para que eu pudesse ler uma peça grega e compreendê-la (na verdade, compreender qualquer peça que lesse, porque, como elas não narram, ou narram muito pouco a história, é mais difícil de formar a história na cabeça. Ainda mais se é escrita em versos, como é o caso das gregas e das shakesperianas!). Com relação à mitologia, já cheguei a pesquisar e a ler muito sobre as várias histórias - a Guerra de Tróia, os Argonautas, os doze trabalhos de Hércules, as aventuras de Teseu, Perseu e diversos outros heróis gregos, o panteão, etc. - inclusive num outro livro de Lobato, "Os doze trabalhos de Hércules" (até hoje só li o que vai do primeiro ao sexto, nunca cheguei a ler o que diz "de 7 a 12"), e a fazer anotações e cruzar dados, como uma pesquisadora. Só por hobby. É algo incrivelmente estimulante, pelo menos para mim, porque vou descobrindo muita beleza e me surpreendendo sempre.

Por que estou contando tudo isso? Porque, ao olhar para a cultura grega, que admiro, uma coisa me chama a atenção: os heróis eram homens considerados extraordinários, pois tinham realizado grandes feitos, e por conta deles sua fama tinha se espalhado pelo mundo inteiro. O objetivo da vida de todo homem grego deveria ser esse. Como na crença deles não havia vida após a morte - todas as almas iam para o Hades, que era o inferno, e só se lembravam de quem tinham sido se bebessem sangue -, a única maneira de sobreviver era essa, sendo famoso de modo a atravessar gerações e poder servir de exemplos para elas. Hoje, no entanto, só se quer a fama, pouco importando o que fazer para aparecer, mas apenas aparecer. Pode-se dizer que o jogo se inverteu com o passar dos séculos. Os gregos compreendiam que a fama era apenas uma conseqüência de uma vida que não deveria ser esquecida, para poder servir de exemplo - Aristóteles dizia que "a verdadeira grandeza está em merecer honrarias, não em recebê-las". Daí que, hoje, com a comunicação a mil por hora, sejamos bombardeados com nulidades que incompreensivelmente estão na crista da onda, algo que na verdade só me irrita porque eu acabo sabendo mesmo não querendo saber, mesmo fazendo de tudo para não saber (e é uma jornalista que vos diz isso, hein!), e também pelo péssimo exemplo a outras pessoas. Talvez a melhor utilidade para a fama fosse essa que os gregos acabaram legando ao mundo, mas também é demais esperar que um dia voltemos todos a pensar desta forma.

No entanto, quando é que vamos nos mancar?

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