segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Frases ruins

      Quando estudamos História na escola, aprendemos os fatos fotograficamente, isto é, estratificados no tempo. O problema é que os conceitos que esses fatos encerram também se cristalizam na nossa mente, e assim nos habituamos a pensar em certos conceitos como parte da nossa identidade. Portanto, não pensamos que esses conceitos podem mudar, pela simples razão de que tudo está em constante evolução.
       Ao dizer isso, estou pensando numa idéia específica: a inferioridade do Brasil nas coisas consideradas importantes, como política, economia, educação, costumes e hábitos em geral, produção e valorização artísticas, etc. Me acostumei a ouvir da dependência econômica e cultural do Brasil, por exemplo. No tempo em que aprendia História, o Brasil tinha uma dívida externa enorme e os Estados Unidos e a Europa eram os todo-poderosos. Hoje, o Brasil está crescendo economicamente, enquanto os EUA e a Europa passam por uma crise. O que acho mais curioso é que faz pouco tempo que comecei a ouvir falar que os EUA também têm problemas, como a dívida externa, os rombos na previdência, gastos exorbitantes e inadequados, corrupção política. Até então, do jeito como os adultos me pintavam o mundo, o Brasil tinha todos os problemas do mundo, enquanto que os EUA eram o paraíso na Terra, exceto pela comida e pelo patriotismo cego. E hoje isso ruiu. O Brasil é a terra do futuro para os haitianos. Mais estrangeiros estão fazendo intercâmbio por aqui. Ouve-se o tempo todo que o Brasil tem cada vez mais importância econômica e política no mundo. 
         Com relação à cultura, pelas aulas de literatura estou acostumada a ouvir que os poucos jovens abastados que iam estudar na Europa importavam as tendências literárias do momento, que procuravam abrasileirar. Desta perspectiva, o Brasil nunca inventou nada, artisticamente falando. Apenas teríamos começado a crescer com o Modernismo. Apesar disso, nunca levamos um Nobel. Nem um Oscar (acabamos de perder mais um, inclusive). Mas pouco se comenta que a bossa nova influenciou e influencia músicos e cantores do mundo todo, incluindo o jazz que é produzido hoje (sendo que na sua origem a bossa nova foi fortemente influenciada pelo jazz). Que Glauber Rocha é venerado na França. Que vários dos nossos filmes mais recentes foram premiados em festivais europeus, e que, por falar nisso, a qualidade técnica dos nossos filmes está melhorando. Que muitos dos nossos autores mais importantes já foram traduzidos em várias línguas, e estudados por críticos e estudiosos de outros países. Que Ana Maria Machado e Lygia Bojunga Nunes foram algumas das nossas autoras mais premiadas no exterior, tendo inclusive recebido o Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil. Que alguns pontos altos da nossa literatura são as crônicas, a literatura infanto-juvenil e as canções populares. Que Tom Jobim recentemente foi premiado pelo conjunto da sua obra nos Estados Unidos. Ou seja, temos grandes momentos, apesar da nossa longa história de dependência cultural. 
           Nos acostumamos ao complexo de vira-lata, e o grave é que ele é reforçado em todos os contextos, mesmo na educação. Tive alguns professores de História e Geografia que davam a entender que o Brasil seria uma droga para todo o sempre, que não teria solução (então, para que estávamos estudando, para que trabalharíamos, pagaríamos impostos, votaríamos e educaríamos filhos no Brasil?). Suspeito que uma das razões para isso era a reação contrária à época da ditadura, em que todos eram obrigados a louvar em excesso as qualidades do Brasil e esquecer completamente os defeitos. Criticar o tempo todo significa ter visão, espírito crítico - mas também pode ser péssimo, na medida em que nos equiparamos a outros povos e criticamos mesmo os avanços e as coisas bonitas. É até um crime esquecer certos problemas, como a miséria, a violência e a corrupção generalizadas, a ignorância que mantém certos hábitos e idéias que deveríamos sepultar, a não-valorização da cultura, entre outros. Mas por que não discutir com os alunos formas de resolvê-los, em vez de lhes tirar a esperança num futuro melhor? 
           Mesmo nas situações mais cotidianas a gente acaba flagrando essa idéia feita, em frases como "Esse é o Brasil", "O Brasil é assim mesmo", "O povo é muito ignorante", e expressões como "povinho", "zé-povinho", etc. Refletem um triste conformismo. Por isso que eu me tornei inimiga destas frases.                 

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