segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O problema do machismo, de novo

O homem se desenvolveu de diferentes modos no seu espalhamento pelo globo, e mesmo entre povos vizinhos as maneiras de pensar podem ter diferenças muito grandes. Cada sociedade, ao tentar simplesmente sobreviver no ambiente em que se fixou, encontrou problemas, solucionou-os (ou não), passou por uma história com altos e baixos que pode explicar bastante sobre o caráter do seu povo, teve que enfrentar invasores, desenvolveu uma fé ou foi conquistado por uma fé alheia, desenvolveu ou não um sistema de escrita, quis conquistar todos os povos do mundo ou apenas lutou o dia-a-dia para sobreviver, foi criando uma cultura que sobrevive de alguma forma nos seus descendentes atuais e mesmo nos povos invasores ou conquistados (porque a cultura e seus efeitos nunca são neutros, mesmo que essa cultura original tenha sido extinta porque seus praticantes foram todos eliminados fisicamente). E é maravilhoso estudar culturas diferentes e perceber nelas originalidades, coisas que de repente nunca haviam passado pela cabeça. Ou novos modos de dizer a mesma coisa, ou de praticar a mesma coisa.
No entanto, claro, não devemos esquecer que todas as culturas são produtos criados pelo homem. Portanto, nenhuma está livre de cometer erros, e alguns bem trágicos ou pelo menos dramáticos. Hoje estou me referindo a uma notícia da semana passada, em que uma mulher de um país muçulmano foi estuprada, e por isso foi presa – e o pior é que a pena alternativa seria ela casar com o agressor, a quem não aconteceu nada judicialmente.
Esse fato (e esse é um fato que chegou à mídia mundial; portanto, podemos imaginar o tanto de outros iguais ou piores) reflete uma concepção tremendamente errada da mulher, uma concepção que, não faz muito tempo, era oficial no Ocidente também, e hoje sobrevive em homens que batem nas companheiras ou até as matam. O fato de não ter acontecido nada legalmente com o agressor, de ele ter sido declarado inocente, enquanto que a vítima dele foi presa, diz o seguinte: se a mulher é violentada, a culpa é dela, e não do bruto que a violentou. Quem mandou seduzi-lo, ou seja, quem mandou se comportar como uma sem-vergonha na frente dele? Ele é homem, puxa vida (aliás, que desculpa mais esfarrapada, não é não?). Agora, não se queixe. Até porque você estava gostando, se não fez nada na hora para impedir. No fundo, isso aí é o medo que o homem tem da mulher, por saber, intuitivamente muitas vezes, que ela é mais forte do que ele. Em muitas culturas nômades, era a mulher a responsável por carregar as casas do grupo nas costas – motivo: elas eram mais fortes, e o homem precisava ter as mãos livres para proteger o bando. Em outras culturas, tentou-se castrar a sexualidade da mulher, para ela não seduzir o homem (porque mulher é um bicho terrível mesmo) e assim o desviar do bom caminho. E essas providências foram desde cobrir completamente o corpo da mulher, algo que dominou tanto no Ocidente como no Oriente, não instruí-la a respeito de sexo, até cortar-lhe o clitóris, para que ela não sentisse prazer no ato sexual. E foi esta concepção que novamente vigorou quando aquele policial canadense disse para uma estudante da universidade onde ele foi dar uma palestra sobre estupro que ela foi culpada pela violência que sofreu, por “usar roupas de vadia”, o que acabou dando origem à “Marcha das Vadias” em todo o mundo, mais para o começo deste ano.
O grave de tudo isso é que, mesmo após a revolução feminina das décadas passadas (ainda que o feminismo no Ocidente e no Oriente não esteja andando nos mesmos passos, e nem nos mesmos modos), a presença desta concepção vem nos dizer que alguns homens continuam achando que são os únicos donos do planeta, portanto têm direito a tudo, inclusive violentar mulheres pelas quais simplesmente se sintam atraídos, tenham feito elas algo para que isso acontecesse ou não. Ou seja, é melhor a mulher se comportar, ou sofrerá as conseqüências. Esse "se comportar" significa se acomodar às regras que os homens criam para ela, abrindo mão de qualquer identidade própria e única. Assim, ela passa a ser uma coisa que serve apenas para desempenhar as funções que os homens reservam para ela. E mesmo assim a proteção contra a violência não é garantida, porque, ao mesmo tempo em que ela se anula, ele cada vez mais pensa que tem direito a tudo para atender ao menor dos seus caprichos.

E, ao pensar que a vítima é na verdade culpada da violência que sofreu, não se pensa no sofrimento moral dela, que é mais terrível que o sofrimento físico – afinal, as marcas no corpo desaparecem depois de algum tempo. Mas as marcas que ficam na alma vão durar para sempre, ainda que de forma mais discreta se a mulher (ou o homem vítima de estupro) conseguir se tratar nesse sentido. E o estuprador deve ser isolado do mundo, mas também passar pelas mãos de um psicólogo para descobrir por que ele não conseguiu (ou não consegue) se segurar, a fim de que não repita a violência com outras pessoas. Quando é que vamos começar a tratar as pessoas como gente?

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