segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sem inspiração

Carlos Henrique Furtado é um dos meus mestres, para quem envio cartas, e de quem recebo também. Oportunamente, vou dando mais informações sobre ele, ao longo das crônicas. Por enquanto, fiquem com o trecho de uma carta dele, que recebi esta semana e achei interessante:


Estou sem inspiração, mas escrevo por princípio. Penso que todo aquele que se intitula escritor deveria fazer um esforço para escrever um pouco todo dia. Ou, pelo menos, isso vale para mim.


Portanto, aqui estou eu, enfileirando letras, palavras e frases. Ao correr da pena, como diria o José de Alencar (o escritor do século XIX, não o vice-presidente do Lula, que é José Alencar), que para mim é uma das melhores definições de crônica. Mas também sem ter idéia do que vai resultar disto aqui.


A escrita já é, para mim, um vício. Mesmo sem ter nada para escrever, escrevo qualquer coisa, todo dia. Escrevo e guardo, não consigo jogar fora, como fazem outros escritores. Fui me acostumando a escrever todo dia, porque muitas vezes é tentador deixar um pensamento só na cabeça, sem tentar expressá-lo. Ou então, é um pensamento que passa tão rápido, que é até frustrante tentar capturá-lo, afinal a própria natureza dele é ser fugidio, enquanto que a natureza das palavras é fixar algo por muito tempo, se não para sempre. Em outras palavras, às vezes esse antagonismo não funciona bem. No entanto, às vezes também pode se tratar de um pensamento tão bobo, que nem vale a pena guardá-lo num registro, ou pelo menos é assim no momento da passagem dele.


Contudo, este é um dos desafios da literatura, talvez mesmo o mais elementar, embora provavelmente vá acompanhar o escritor ao túmulo (o que acontece, aliás, com todos os desafios da literatura). Lutar contra a preguiça, o comodismo e seja lá o que mais for, para tentar escrever. Se não comportasse este e outros desafios, a literatura não seria mais do que uma prática de e para diletantes. Quem ouve o chamado da literatura e se rende a ela até pode ser um escravo feliz desta senhora, como escreveu Mario Vargas Llosa. Mas o seu penar acontece escondido, somente nos bastidores, e muitas vezes não é visível também por ser apenas mental. Procurar escrever todo dia é o heroísmo de cada dia, embora isso não esteja à disposição da vista do mundo. Foi Charles Baudelaire quem definiu maravilhosamente bem: "Eu ponho-me a treinar (ou lutar, dependendo da tradução) em minha estranha esgrima".


Só esta carta já dá uma crônica, não é verdade? Por isso a publiquei aqui, num dia em que estava sem inspiração.

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