domingo, 24 de maio de 2009

Acho que pessoas com sensibilidade artística têm certas necessidades contrárias ao lado prático da vida que muitas vezes não são compreendidas gerando conflitos nos relacionamentos com os outros que acham isso uma bobagem. Nossas conversas na aula me lembraram de um livro que eu li há mais ou menos 2 anos atrás, "Cartas a um jovem poeta" e gostaria de sugeri-lo como leitura para futuros escritores. Segue aí um trecho:

"Existe apenas uma solidão, e ela é grande, nada fácil de suportar. Acabam chegando as horas em que quase todos gostariam de trocá-la por uma união qualquer, por mais banal e sem valor que seja [...] No entanto, talvez sejam justamente essas as horas em que a solidão cresce, pois seu crescimento é doloroso como o crescimento de um menino e triste como o início da primavera. Mas isso não deve confundi-lo. O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso. Ser solitário como se era quando criança, quando os adultos passavam para lá e para cá, envolvidos com coisas que pareciam importantes e grandiosas, porque esses adultos davam a impressão de estarem tão ocupados e porque a criança não entendia nada de seus afazeres.
E um dia, ao percebermos que suas ocupações são mesquinhas, que suas profissões são enrijecidas e não estão mais ligadas à vida, por que não olhar para eles como uma criança observa algo de estranho, a partir da profundeza do próprio mundo, da amplitude da própria solidão, que é ela mesma um trabalho, um cargo e uma profissão? Por que se desejaria trocar o sábio não-entendimento de uma criança pela atitude defensiva e pelo desprezo, uma vez que o não-entendimento é estar sozinho, mas a atitude defensiva e o desprezo são participações naquilo de que, com esses recursos, as pessoas querem se afastar?"

Quando eu era criança, meus pais tinham uma papelaria que ficava num barracão. Lembro que nos dias chuvosos, eu ficava no meu mundo infantil observando as pegadas que marcavam um papelão na porta de entrada e o chão de taquinhos enquanto as pessoas entravam e saíam de lá, apressadas em cumprir seus afazeres importantíssimos. É nesse lugar que eu encontro a minha infância, por entre pacotes e bobinas, papéis coloridos e grampeadores que também grampeavam dedos, uma boneca assustadora numa sala sombria, prateleiras gigantes que meus olhos não alcançavam o fim.

Referência:
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2007.

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