quarta-feira, 13 de maio de 2009

A flor

Data: 2 de maio de 2009.

A flor

Era uma flor vermelha, de um vermelho meio rosado, mas sem ser muito fraco, ainda com uma certa dignidade de vermelho. Os estames, da cor do ouro, como que saltavam de surpresa para fora das pétalas, que no interior tinham listras de cores mais claras e mais escuras, tal e qual os desenhos das asas de uma borboleta. Parecia incrível, num primeiro momento, que aquele caule verde fininho conseguisse sustentar todo aquele volume em cima dele, pois a flor em si parece uma cabeça de couve aveludada. Ela não nascia espetada no chão, mas sim era uma das várias flores espalhadas e sustentadas por uma trepadeira, no alto de uma árvore.
Mesmo assim, o caule é comprido, fininho e perigoso. Quando ele chega a mão para colher a flor, sente um espinho no dedo. Ai, que dor! Parece que ela se estende até entre as pernas, causando-lhe um calafrio, depois um frio como que por falta de circulação de sangue. Agora sente os pelos eriçados e está alerta. Com mais cuidado, corre dois dedos pela pequenina flor. No caule, vai sentindo a aspereza formada por uma sequência de espinhos que, depois de devidamente dominada, é até gostosa de sentir, lembra um pouco os pontos do braile. Os dedos sangram, mas não doem.
Ao alisar a cabeça da flor, fica entusiasmado ao sentir entre os dedos a fragilidade do vegetalzinho, cujas pétalas são uma seda um pouco mais grossa, como que um veludo. Parece que está acarinhando um bicho. Sente também os estames, bolinhas tão delicadas que não se demora muito tempo neles, para não esmigalhá-los de tanto amor. Mesmo assim, tem que jogar fora o pozinho amarelo e diminuto roubado pelas mãos.
Ao lembrar-se de que aquela flor é de maracujá, fica sentindo na língua a deliciosa fruta, muito doce e amarela, de uma doçura sem limites. Quando vê, está mordendo uma pétala para ver se tem o mesmo gosto. Não tem, é aquele gosto de clorofila tão característico da grama. Tenta comer o néctar, mas não sente gosto nenhum. Também, não é abelha.
Quando vai cheirar a flor, uma surpresa: não tem cheiro nenhum. Ora, se é de maracujá, e mesmo assim não tem gosto de maracujá, pelo menos o cheiro tem que ter! Chega o nariz mais perto e aspira fortemente uma, duas, três vezes. De repente, Deus seja louvado!, sente o cheiro do maracujá, como se fosse preciso raspar todo o ar inodoro para conseguir o cheiro bom. De repente, uma voz estridente, mas deliciosa, grita:
- Paiê! Fizemos suco de maracujá, e aqui está o seu copo!
É Bianca, sua filha de cinco anos. Comovido, ele pega o copo e dá também um presente para ela:
- Essa flor é pra você.
Barulho de máquina fotográfica e luz branca de flash. A mulher alta, agora de voz aflautada, que está com a foto preto-e-branco na mão, mostra-a para um velho e duas crianças:
- Está vendo, papai? Lembra desse dia? Foi quando eu vim aqui, no teu sítio, pela primeira vez, pouco antes daquela cirurgia que você fez no olho para voltar a enxergar...
- Ei, crianças, querem ouvir a história dessa flor? – pergunta o velho, apontando a bela flor em branco na mão de Bianca.
Ana Lúcia de Paulo Superchinski.

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