segunda-feira, 27 de junho de 2011

Minha história com Clarice

Estou começando a achar que este é o ano Clarice Lispector, pelo menos na minha casa. No começo do ano, li "Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres", e me apaixonei por esse romance. Há algum tempo atrás, a professora de Português do meu irmão ia pedir a leitura de "Felicidade clandestina", um dos livros indicados para o vestibular da Federal, mas, como não ia dar tempo de trabalhar com o livro todo, os alunos só tiveram que ler "Uma história de tanto amor", na minha opinião um dos mais belos contos dela. Foi uma oportunidade para o meu irmão conhecer um pouco a Clarice, pois ele já estava, muito tempo antes, contaminado pelo medo de quem ouve falar que um autor é difícil. Porém eu desconfio que havia nele medo e fascinação simultâneos, porque não tentou ler nada dela, mas inesperadamente falava nela. Aprendendo sobre ela na escola este ano, teve a curiosidade mais aguçada, o que culminou com a obrigação de ler o conto. E gostou. Ficamos, depois, conversando bastante sobre ela e sobre este texto.

Foi nessa conversa que tive a oportunidade de repassar a minha história com a Clarice, e é esta história que gostaria de dividir agora com vocês, pois de repente me surgiu a idéia, cuja execução vou lançar para daqui a alguns anos, de coletar histórias de escritores e simples leitores com Clarice, e lançá-las em livro, justamente para se perceber o lado do leitor diante dela, as alegrias e dificuldades de ser sugado por Clarice. Com certeza, você não volta a mesma pessoa de antes dessa experiência. E também para desmistificar um pouco o hermetismo dela - se você procura entendê-la racionalmente de primeira, pode entrar pelos canos. Se entrar desarmado, vai ter mais chances de encará-la e, mais importante, de gostar dela.

Aos fatos. Acho que foi com uns 12 anos que peguei um livro dela - o detalhe é que até hoje não sei onde foi que ouvi ou li o nome dela pela primeira vez, só sei que um dia acordei querendo ler algo dela. Finalmente, peguei na biblioteca da minha escola "O primeiro beijo e outros contos", uma dessas coletâneas que não são pensadas originalmente pelo autor, mas sim organizadas a partir de vários livros dele, postumamente. Só lembro do conto do título e de um que era o aniversário da avó da família, a D. Anita, que larguei no meio. Devo ter lido uns três ou quatro, no máximo. Não agüentei, não estava entendendo nada e achando chato, pesado. A partir daí, fiquei com prevenção. Apesar de ter sentido curiosidade de ler "A maçã no escuro", porque a história era sobre um jovem que se descobria escritor, não peguei mais nada dela. Anos depois, fui obrigada a ler "Felicidade clandestina" para o vestibular. Gostei de alguns contos, como o conto-título, e da aula sobre o livro, mas a barreira não se quebrou. Somente no final do ano passado isso aconteceu, quando a minha psicóloga sugeriu que eu lesse "Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres", porque esse romance tinha tudo a ver com os questionamentos que estava fazendo e enfrentando naquele momento. E ela ainda me disse: "A Clarice escreve de uma forma seca, muito dura". Ao sair de lá, já peguei o livro na Biblioteca Pública. Demorei alguns dias para chegar nele, não tive pressa, ainda era um resto da prevenção agindo. Ao finalmente me decidir a ler, encontrei a seguinte mensagem da Clarice: "Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento". Pronto. Aí que eu realmente relaxei, porque passei a ler sem o compromisso de entender racionalmente, isto é, sem sentir a obrigação de formar uma opinião sobre ele, fui apenas lendo, liberta. Ela própria teve o gesto amigo de me tranqüilizar, eu não precisaria me sentir burra se terminasse de ler sem entender nada. Muitas vezes, esta é a melhor maneira de se desfrutar de uma obra de arte, o sentido vem com o tempo (se não vem, é porque a pessoa ainda não está suficientemente amadurecida, o que não a impedirá de reler em outro momento, em melhores condições). Um dos maiores inimigos de uma leitura, especialmente de uma autora como Clarice, pode ser a praga de entender tudo racionalmente e querer sair do livro com uma opinião formada sobre ele, como se fosse em seguida defender uma tese. Autores como ela nos ensinam a saborear, esquecendo pelo menos em parte o racionalismo.

As primeiras páginas foram as mais difíceis. E, ao longo do romance, não era raro que de repente tivesse que interromper a leitura e até desviar os olhos do livro, para entender, ou pelo menos sentir, o que tinha lido e poder seguir adiante. E não me atrevo a dizer o que entendi e o que não, pode ser até que não tenha entendido nada. Mas saí apaixonada. E não encontrei nem sombra de secura na escrita dela, pelo contrário, a Clarice me entendia naquele momento. Agora, com intervalos, estou planejando ler mais romances dela, entre eles "A maçã no escuro".

Qual é a sua história com a Clarice?

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