segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Para Miguel Sanches Neto 2

No dia 31 de janeiro, escrevi aqui uma crônica apressada , manifestando a minha surpresa e descontentamento pelo fato de que Miguel Sanches Neto não mais publicaria crônicas na Gazeta do Povo, ou melhor, só mudaria o gênero de texto a que se dedicaria: as críticas literárias, inclusive tendo uma coluna para elas, como tinha para as crônicas, e que hoje aparece aos domingos.


Hoje vejo que me enganei em quase tudo o que disse naquele momento, pois inclusive coleciono as críticas dele, como antes colecionava as crônicas. Não é que achasse que ele não seria bom crítico, mas sim que ele passaria a escrever, sempre, sobre um mesmo objeto, ou seja, não teria tanta liberdade de forma, e também eu mesma não sabia se leria, pois, em geral, ler crítica bloqueia a minha criatividade - a razão que mais me pesava era essa.


Ainda bem que ele não tem esse efeito em mim, pois Miguel é um crítico positivo, ao contrário da ferocidade que domina esse meio. Desde pequena que leio principalmente a parte cultural da Veja, e logo me habituei a pensar que o objetivo dos críticos é achar defeitos nos produtos culturais que analisam. Mais recentemente, cheguei a escrever que desconfiava que um trabalho, para ser aceito, tinha que ter certos sinais que não sabia quais eram, mas que os críticos seriam os únicos capazes de detectar, e assim só eles teriam o poder quase metafísico de dizer se algo presta ou não, ou seja, se determinado autor/obra merece figurar nos panteões de clássicos obrigatórios e inesquecíveis, ou não, apesar do enorme esforço envolvido na produção. Quem não passasse nesse teste simplesmente fracassou, e não tem nem o direito de saber o por que, não passa de um miserável.


Hoje sei que não é bem assim. Os críticos descrevem os produtos e, segundo um professor meu, servem para desafiar o artista a fazer melhor, a não se satisfazer, o que é essencial para a arte. Eles julgam da forma que julgam dependendo de vários fatores, dos quais quero destacar dois: a teoria cultural a que se filiam e as condições em que realizam o seu trabalho (além de questões psicológicas, amizade, inimizade ou indiferença pelo analisado, etc.). No caso, a maioria dos críticos que parece não fazer outra coisa se não selecionar o que presta e o que não presta da produção atual, de forma a não conspurcar os cânones em que estão Shakespeare, Cervantes, Kafka, Machado de Assis, etc., estes seguem uma escola que quer que a arte continue tendo apenas uma função: conseguir preservar os valores humanos eternos e imutáveis contra a deturpação representada pela cultura de massas, que muitas vezes é sintetizada pelo que está sendo valorizado pelos meios de comunicação. Aliás, tocar incessantemente no rádio ou aparecer várias vezes seguidas na TV só pode mesmo significar que aquela produção cultural não presta. Ou então, estes críticos só enxergam os defeitos de tudo, e ainda, apontando-os de forma irônica, parecem não ter a capacidade de detectar uma única qualidade. O que pessoalmente me incomoda nesta atitude é a acidez - quero ter a sorte de ter críticos que até falem mal do meu trabalho (e não de mim, como fez a Isabela Boscov, na Veja, ao falar sobre o filme "Cilada.com", ao passar muito tempo no texto ironizando o humorista Bruno Mazzeo), mas querendo me ajudar, não me matando de vergonha. Se eu conseguir isso, vou me sentir estimulada a sentar com essa pessoa para juntas acharmos soluções para o que eu tivesse apresentado.


O outro ponto, as condições de trabalho, envolve principalmente a importância que o veículo de comunicação dá à seção de cultura e, por tabela, aos críticos que colaboram nela. Creio que muitos críticos são realmente amargurados, porque, em vez de falar do que gostariam, são obrigados a repercutir, de forma a gerar consumo (e não o debate, que, a princípio, seria o objetivo do trabalho do crítico cultural), produtos que não são mesmo bons, dos quais não gostaram ou de que mal-e-mal fruíram. Nessas condições, o que se faz são resenhas, não críticas.


Esse não parece ser o caso de Miguel. Posso estar errada, mas creio que é ele que escolhe os livros sobre os quais vai escrever, pois seus textos muitas vezes nem têm o gancho jornalístico de, por exemplo, um lançamento, relançamento ou realização de um filme, etc. Muitos, aliás, são completamente desconhecidos do grande público - o trabalho dele é justamente divulgar preciosidades que passam despercebidas, antigas e contemporâneas, à maneira do que faz Mariana Sanches na sua coluna Orelha do Livro, hoje publicada na revista Ler&Cia., mas que já foi programa de rádio. No caso de Miguel, o consumo só aparece no final dos textos, sob a rubrica de "serviço". Simples e elegante. Ele primeiro abre o nosso apetite com o livro e sua própria maneira de falar sobre ele, e depois indica as condições para obtê-lo.


É claro que esse trabalho de divulgação é muito importante. Mas isto, por si só, não resolve nem resolveria o problema da crítica cultural brasileira, que há muito tempo deixou de ser um espaço de debate da produção e consumo de cultura, e que eu apenas tentei esboçar aqui, segundo meus parcos conhecimentos.

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