segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Amy Winehouse viveu intensamente?

O que me chamou a atenção na cobertura jornalística feita a respeito da morte da Amy Winehouse, e que me irritou profundamente, foi a repetição do desgastado clichê "ela teve uma vida curta e intensa". Creio que deveria ser esclarecido o que se entende por "vida intensa" nesta frase, porque a minha concepção, por exemplo, talvez não seja exatamente a visada neste contexto. O que Amy e outros tantos fizeram foi apressar o fim da própria existência - ou, de acordo com a crença de que a data da morte já foi fixada por Deus muito antes, não se deu uma boa morte. Conseguiu isso através das drogas, tanto lícitas como ilícitas, que debilitaram o organismo dela até aquele último suspiro. Ou seja, em pouco anos deve ter gastado o corpo como se o fizesse há décadas. Visto por este lado, mas somente por este lado, realmente levou uma vida intensa, pois espremeu décadas em poucos anos.


No entanto, as drogas também alienam da realidade, ou seja, a pessoa vive fantasias criadas por um cérebro cada vez mais alucinado. Passa a viver como que dentro de uma bolha. Quando o efeito da droga acaba, a volta para a realidade é dolorosa demais, por isso o dependente químico faz o possível e o impossível para conseguir mais em menos tempo. E essa vida se resume a isso, até a morte ou o tratamento. Se a Amy tentou mesmo se tratar, ela passou por períodos de abstinência - que são exatamente o oposto de "uma vida intensa", são tempos mortos, vazios e extremamente sofridos.


Mas a pior etapa do tratamento nem é essa. É quando a pessoa volta para os ambientes e pessoas que freqüentava antes de entrar na droga, porque vai ter que encontrar maneiras de lidar com os problemas que tinha antes (e/ou os que foram causados pelo vício) sem ceder à (forte) tentação de se drogar. É uma doença, uma condição com a qual a pessoa terá que lutar até o fim da vida, pois recaídas são absolutamente comuns (e não são, como muita gente pensa, problemas de caráter).


Também ninguém sabe ou esclarece como nem por que ela se iniciou no vício, se foi para fugir dos próprios problemas, se foi influenciada por alguém, etc. De qualquer modo, no entanto, suponho que, nos últimos tempos, estivesse gostando cada vez menos da vida. Se isso realmente aconteceu, ela teve a sorte de morrer cedo - não ficou como tantos dependentes químicos que se drogam por décadas, ou seja, enquanto a vida durar. No entanto, jamais saberemos se ela chegaria ao ponto de se recuperar (de novo), e se, desta vez, conseguiria evitar uma recaída.


Por tudo o que foi dito até aqui que eu imagino que "viver intensamente" é gostar da vida, ter disposição para enfrentá-la de cara limpa e com bom humor. Quem consegue isso é que deveria ser reverenciado como sábio, como herói, porque é mais fácil tentar fugir de tudo, e há tantas alternativas para isso! E não importa se a vida se passou sem grandes sobressaltos ou se foi recheada de acontecimentos incríveis. O importante é fazer com que ela valha a pena, e um dos ingredientes para isso é poder vivenciar profundamente cada acontecimento, sem estar anestesiado por algum vício, e sem ter que conviver com a eterna incerteza de conseguir ser forte para evitar uma recaída.


A letra abaixo, clássica, diz muito sobre a vida, e como ela pode ser intensa:




O QUE É O QUE É


(Gonzaguinha)


Eu fico com a pureza das respostas das crianças:


É a vida! É bonita e é bonita!


Viver e não ter a vergonha de ser feliz


Cantar, cantar e cantar


A beleza de ser um eterno aprendiz


Eu sei


Que a vida devia ser bem melhor e será


Mas isso não impede que eu repita


É bonita, é bonita e é bonita!


E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?


Ela é a batida de um coração?


Ela é uma doce ilusão?


Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?


Ela é alegria ou lamento?


O que é? Como é, meu irmão?


Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,


É uma gota, é um tempo


Que nem dá um segundo,


Há quem fale que é um divino mistério profundo,


É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.


Você diz que é luta e prazer,


Ela diz que melhor é morrer,


Pois amada não é, e o verbo é sofrer.


Eu só sei que confio na moça


E na moça ponho a força da fé,


Somos nós que fazemos a vida


Como der, ou puder, ou quiser,


Sempre desejada, por mais que esteja errada,


Ninguém quer a morte, só saúde e sorte,


E a pergunta roda, e a cabeça agita.


Fico com a pureza das respostas das crianças:


É a vida! É bonita e é bonita!


É a vida! É bonita e é bonita! (grifos meus)




Como se vê, é sempre perigoso repetir uma frase feita sem primeiro procurar questionar o que ela significa. A mídia deveria refletir que usar este adjetivo glamouroso, "intensa", pode ser um fator a mais para incentivar o estilo de vida que Amy Winehouse levava. Mesmo que não seja essa a intenção de ninguém.

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